Joan (Annie Murphy) é uma pessoa comum que após mais um dia de trabalho, se senta com o noivo para assistir alguma coisa na TV. É aí que na plataforma de streaming o casal encontra a série Joan Is Awful. Joan é péssima em português. Onde Salma Hayek vive uma versão seriada da própria Joan, um pouco exagerada, mas ainda bastante fiel nos acontecimentos. É claro que isso é péssimo para a vida da primeira Joan, que perde noivo, emprego, amigos e o rumo tentando ter sua vida privada de volta.
A quantidade de discussões levantadas por este argumento é tão variada quanto atual. E, acertadamente, o roteiro trata todos esses "assuntos sérios" com um humor que os deixa leve, mas nunca irrelevantes. À começar pela brincadeira com a própria Netflix, que na série virou Strawberry. Um streaming idêntico, que escondeu nos termos de uso (aqueles mesmo, que ninguém lê) o direito de espionar e usar a vida de seus usuários.
E já que a Joan da TV, também se assiste em uma versão dramatizada, criando camadas e versões infinitas de sua vida. Há também um flerte com o conceito de multiverso. Tema em alta na cultura pop. O que ainda discute a forma como vivemos, entendemos e "divulgamos" nossas vidas. Será que gostaríamos de ver o que estamos fazendo? Ou apenas a versão editada das redes sociais nos agrada? E os demais, como eles nos veem?
Também em alta, as discussões sobre o uso das Inteligência Artificial, não só para construir narrativas, mas universos próprios. Como sugere a reviravolta final do episódio. Toda Joan, em sua realidade acha que é a original, se compreende como ser humano, e é capaz de questionar a natureza da sua realidade, tal qual os robôs de Westworld. Então não seriam eles reais?
Os fantasmas de IA!
Ainda sobre inteligência artificial, mas agora no nível de discussão da vida real (is this real life?), a série discute o uso indiscriminado da imagem de pessoas reais pela tecnologia. É aqui, que a conversa encontra o comercial da Volkswagen. A Salma Hayek da série se incomoda com a forma como sua imagem, previamente autorizada e remunerada, é utilizada na série. Até onde seu uso é ético? E quanto as pessoas que não estão mais presentes para autorizar? A série não está falando de um futuro possível, mas de uma tecnologia que já está em uso.
A discussão não é exclusividade da publicidade brasileira. Um exemplo disso é o recente The Flash que traz de volta vida Christopher Reeve e George Reeves. No contexto do filme participação permitiria o uso de imagens de arquivo dos atores, mas o estúdio preferiu recriá-los em versão digital. Já a concorrente Disney volta e meia, rejuvenesce e ressuscita atores em franquias como Star Wars.
Os embates entre ética e emoção (sim, apesar de digitais ainda emocionam), homenagem e exploração, ainda estão longe de serem encerrados. E talvez nunca cheguemos em uma conclusão, mas acredito que o mais importante é nunca deixar de refletir.
O primeiro episódio da sexta temporada de Black Mirror, Joan is Awful é ao mesmo tempo divertido e reflexivo. Inusitadamente leve e preocupante. A gente ri, tanto por achar graça, quanto de nervoso. Muitas vezes das duas coisas ao mesmo tempo!
Black Mirror tem seis temporadas, o numero de episodio varia em cada uma delas. O sexto ano tem cinco episódios. A série completa está disponível na Netflix.
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