The Flash

E neste confuso apagar das luzes da era Synder da DC, onde a permanência das versões atuais dos personagens é uma improbabilidade, chega o ironicamente atrasado filme estrelado pelo velocista da equipe. The Flash acerta ao ser contido em si mesmo, sem abrir mão de referencias e nostalgia, mas não está livre de problemas e falhas difíceis de ignorar. 

Tempos depois dos eventos de Liga da Justiça (a versão dos cinemas, ou SynerCut, tanto faz, escolha a sua), Barry Allen (Ezra Miller) ainda tenta conciliar sua vida pessoal e seu trabalho heroico. Sempre atrasado, sem vida social, e limpando a bagunça dos super colegas veteranos, ele vê uma oportunidade de mudar sua vida ao descobrir que é capaz de viajar no tempo. Logo, ele decide voltar ao passado, salvar sua mãe e consequentemente livrar o pai da falsa acusação de assassinato. É claro, que a interferência irresponsável na linha temporal, coloca o multiverso em risco. 

Quem leu os quadrinhos, ou mesmo assistiu a série do herói na CW, deve ter reconhecido o argumento do paragrafo anterior. Trata-se da versão para o cinema da aventura mais conhecida do personagem o Flashpoint, ou Ponto de Ignição em português. Mas apenas o gatilho da história é o mesmo, o roteiro cria as próprias consequências, desdobramentos e soluções para a interferência no tempo, e consequentemente no multiverso. Aproveitando para usar bastante (mas não tanto quanto poderia) o acervo da DC nas telas. 

Tudo isso em uma surpreendente comédia, que se apoia bastante na capacidade de Ezra Miller de entregar personagens distintos, com tempos de comédia próprios. O ator entrega um bom trabalho, ao viver as duas versões do personagem escolhidas aqui, sem nunca esquecer qual delas é o verdadeiro protagonista. Embora, dois detalhes possam atrapalhar a conexão com o público. O primeiro são as conhecidas polêmicas em torno do interprete (seu cancelamento, ou não é discussão para outro momento), que inevitavelmente geram antipatia. O segundo é a admissão pelo próprio de que o personagem é uma pessoa cansativa, chata, em seu modo frenético, sem foco, e ansioso de ver o mundo. Para alguns uma característica divertida, para outros, nem tanto.

Para o bem, ou para o mal, a personalidade do protagonista, parece refletir no roteiro. Que é por um lado dinâmico, acelerado e bem humorado, e por outro tem problemas de foco, que geral uma falta de naturalidade na cadência dos eventos. Consertar os erros e voltar pro seu tempo? Salvar o mundo em que está no momento? Fazer isso sozinho ou buscar parceiros? Nem protagonista nem a trama parecem saber o que fazer, e oscilam entre uma ideia e outra todo o tempo.

Vale mencionar, o roteiro ainda arruma tempo, para incluir uma micro história de origem. Coisa que esta versão do Flash não teve, já que o conhecemos já empoderado em Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Com tanta coisa acontecendo, não é de se admirar que o vilão "oficial" do filme seja um mero recurso narrativo, um antagonista usado como ferramenta apenas para mover o herói enquanto este lida com a verdadeira ameaça e desafio, suas escolhas. Criando toda a questão emocional do filme. Esta se mantém a mesma das outras versões do Flashpoint: fazer o que é correto e lidar com a perda. Tema que o filme trabalha com competência. 

Competência também é vista na escolha em trazer o Batman de Michael Keaton de volta. Com a proposta de multiverso em mãos, qualquer um poderia ocupar sua posição. Mas o tom cartunesco dado por Burton para o personagem encaixa com o tom cômico que o filme escolhe. Enquanto o retorno do ator, cercado de elementos de sua aventura própria (dos cenários à música) ganha os fãs pela nostalgia. E Keaton parece se divertir com a evolução de seu Bruce, para um mentor sábio e rabugento. 

Outra personagem com destaque é a Supergirl da novata Sasha Calle, que é eficiente em trazer a altivez e senso de justiça da última filha de Kripton, mas não tem muito espaço para mostrar a que veio. Menos espaço ainda tem Kiersey Clemons. Totalmente sem função sua Iris West, o suposto grande amor do protagonista poderia nem estar no filme, que não faria diferença.

Os demais destaques do elenco, não passam de participações especiais de luxo, algumas anunciadas, outras que podemos deduzir, e algumas poucas surpresas. Todas escolhas mais comerciais que narrativas ou mesmo criativas. Como trazer exatamente personagens que acham que o público mais vai gostar, do que de fato explorar todo o catálogo da DC nas telas. Afinal, é uma história de multiverso, e Através do Aranhaverso acaba de nos mostrar como é possível explorar suas possibilidades ao máximo, sem atrapalhar o desenvolvimento da narrativa. 

Mas nada conta mais pontos negativos para o filme que seu visual. Com um CGI e efeitos especiais muito ruins, especialmente nos momentos em que o personagem está na força de aceleração, e um design de produção, cabelo e figurino questionáveis. É difícil não ter seu foco desviado, por estes elementos que chamam a atenção negativamente.

As sequencias de ação são satisfatórias, Andy Muschietti trabalha bem a geografia das cenas e o desenvolvimento dos eventos. Transformando o caos de muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, em uma coisa palpável através dos poderes do herói. Embora na sequencia clímax, haja uma certa conveniência na distribuição das muitas lutas. A sensação é que alguns personagens esperam a luta do outro acabar, para finalmente engajar as suas, quando tudo deveria acontecer simultaneamente. 

Preso no meio de dois mundos (não do multiverso, mas de tom), The Flash precisa lembrar que nasceu no universo sisudo de Zack Synder, ao mesmo tempo que deseja desesperadamente fazer humor. Ficando assim no meio do caminho entre a grandiosidade dramática, e a farofa cômica total. Não é dramático e tenso como Homem de Aço, mas também não se joga de cabeça na diversão sem receios da breguice como seu homônimo recente da TV

Livre de precisar fazer conexões com próximos lançamentos, não dá certeza da continuidade de nenhuma destas versões do personagem, mas também não se despede por completo. Diverte, principalmente os ávidos por nostalgia, e os fãs desta encarnação do herói, mas não é excepcional. Talvez se torne memorável por suas referências, mas não necessariamente por sua história. 

The Flash
2023 - EUA - 144min
Ação, Ficção Científica, Fantasia

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem