Sanditon

Sanditon não é a Bridgerton da Globoplay! Achei necessário esclarecer, já que é assim que a produção tem sido apresentada e tratada por muitos. A série de 2019, é a adaptação do último e inacabado texto de Jane Austen, e não é uma produção original do streaming do plim-plim.

Acompanhamos a história de Charlote Heywood (Rose Williams), uma jovem filha de fazendeiros que após ajudar o Sr. Tom Parker (Kris Marshall) é convidada para uma estadia em sua casa em Sanditon, cidade litorânea que está sendo transformada por ele em um resort. Intrigas por herança, problemas financeiros e de relacionamento, típicos dos romances de Austen estão presentes. Além é claro de uma relação de amor e ódio com o misterioso  e abastado Sr. Sidney Parker (Theo James).

Sim, é por se tratar do tradicional universo de Austen que se dão as comparações com a série da Netflix, que é baseada em livros inspirados pelas obras da autora britânica, e está fresca na memória do público. Entretanto, Sanditon tem muito mais semelhanças com adaptações diretas da autora. De fato, seu showrunner Andrew Davis, é o responsável também pela adaptação para a TV de Orgulho e Preconceito de 1995. Aquela estrelada por Colin Firth. 


Vale informar também, que Austen escreveu apenas onze capítulos de Sanditon, material que mal cobre o piloto da série. Logo, os roteiristas tiveram que desenvolver histórias próprias a partir de suas introduções. Nesse sentido, a série é mais uma obra inspirada no material da autora, que de fato uma adaptação propriamente dita. 

Ok, apresentações e explicações devidamente feitas, é hora de falar sobre a série em si. A história segue os padrões e normas da sociedade da época (com um ou outro escorregão, tantas moças desacompanhadas...), e emula os caminhos e personagens característicos dos romances de Austen. O mocinho inacessível, a viúva rica sem papas na língua, problemas financeiros, a busca/obrigação de um casamento adequado, entre outros dilemas bastantes familiares para os fãs da autora. 


Trazendo assim, várias histórias paralelas, à narrativa da mocinha, das quais ela participa ativamente, ou apenas observa, enquanto sua própria jornada é desenvolvida aos poucos. É Charlotte quem nos leva à Sanditon. Logo, passa mais tempo sendo nossos olhos e ouvidos nas disputas pela herança de Lady Denham (Anne Reid), nos problemas financeiros do Sr. Parker, no romance proibido de Georgiana Lambe (Crystal Clarke), e outros dilemas, enquanto seu próprio romance é apresentado a conta-gotas, ao longo dos episódios. 

Dentre estas histórias, é a de Georgiana a que mais chama atenção. Primeira personagem negra de Austen, é ao mesmo tempo uma intrusa e um prêmio naquela sociedade. Dando um vislumbre inédito, ainda que breve, sobre o que a sociedade daquela época (e do "Austenverso") pensaria sobre escravidão, e a inclusão de negros em seu convívio social. Além do romance proibido, que ajuda a construir o caráter de Sidney Parker, tutor da moça, e o herói romântico incompreendido desta história.


A trama dos irmãos Denham é a mais confusa. Com pouco tempo de tela, escolhe falar de muitos assuntos, e explora pouco cada um deles. Incesto, submissão, traição, relacionamento abusivo e ganância estão entre as muitas discussões no arco da dupla.  

Já a história de Charlotte, traz muitas semelhanças com a de Elizabeth de Orgulho e Preconceito. Embora a protagonista aqui seja mais doce, menos orgulhosa, e mais deslumbrada com a vida em sociedade, ambas embarcam no mesmo tipo de romance de falsas primeiras impressões. Entretanto, o final de Charlotte é bem diferente. 

Um desfecho sem final feliz, que deve desagradar quem for prego de surpresa, encerra este arco oito episódios. Mas não se trata do final definitivo de verdade. Havia planos para uma segunda temporada da série, que não foi encomendada pela emissora, e poderia resolver o desfecho infeliz. Fãs ainda lutam pela renovação, com abaixo assinados e a hashtag #SaveSanditon. 

Caso um segundo ano nunca seja realmente realizado, convido a olhar para este "final triste" por um novo ângulo. Uma quebra de padrão no estilo da autora. Única grande surpresa, de um roteiro que segue parâmetros e caminhos familiares. E um resultado mais realista para nossa protagonista. Afinal, não é toda garota do interior que conquista o melhor partido da sociedade em apenas uma temporada. 

O design de produção é caprichado, sem grandes invencionices, criando um senso de familiaridade com quem já é fã deste universo. Enquanto a fotografia dá um tom melancólico às belas paisagens a beira mar. Evocando, que nem tudo é perfeito neste paraíso em potencial, por mais que a protagonista esteja deslumbrada por esta oportunidade de ver o mundo. 

Não há grandes destaques na atuação, o elenco e entrega o que o roteiro pede, e apenas isso. Williams consegue carregar a trama, e tem uma química eficiente com James, mas não é tão cativante quando poderia ser.  Talvez por culpa dos diálogos, que por mais que imitem o estilo, não são tão intrigantes e inteligentes quanto os de Austen.

Ao final das contas, Sanditon é uma produção corajosa. Ousou desenvolver uma história inacabada em um dos grandes nomes da literatura, e o fez razoavelmente bem. Uma pena que não terá a oportunidade de ir além, explorar e ousar ainda mais. Entretém e agrada, principalmente há quem já adora o universo de Austen. 

Sanditon tem oito episódios com cerca de uma hora cada, todos disponíveis na GloboPlay.

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