Adaptar uma série de livros de fantasia para o audiovisual é uma tarefa complexa, especialmente quando seu mundo é rico em regras e elementos próprios. Sombra e Ossos da Netflix, aposta alto ao tentar adaptar duas séries literárias em uma única produção de apenas oito episódios.
Ok, sendo justa, as duas obras em questão fazem parte do mesmo universo, o Grishaverso criado por Leigh Bardugo. A trilogia Grisha (composta por Sombra e Ossos, Sol e Tormenta e Ruína e Ascensão) e a duologia Ketterdam (Six of crows: Sangue e Mentiras e Crooked Kingdom: Vingança e Redenção). Escolha acertada que, no entanto, merecia maior tempo e esmero do roteiro, para conectar e dar igual importância a seus núcleos.
O primeiro, e mais relevante, conta a história de Alina Starkov (Jessie Mei Li), uma "garota comum", que descobre ser portadora de um poder raro. É um membro mítico dos grisha, uma classe de pessoas com poderes. E claro, tem sua vida alterada por isso. Com direito, obviamente à um triângulo amoroso, e uma missão maior que ela. Um tradicional exemplar da literatura para jovens adultos, o "young adult".
Já o segundo núcleo acompanha Kaz (Freddy Carter) e sua equipe de vigaristas em uma missão motivada pelos acontecimentos do primeiro núcleo. Vale ressaltar, existe um terceiro núcleo, mas a história dos inimigos mortais, a grisha Nina (Danielle Galligan) e o "caçador de grishas" Matthias (Calahan Skogman) pouco se relaciona com as demais, e não tem tempo de tela suficiente para dizer a que veio.
Tudo isso em um mundo ondem existe seres humanos comuns e outros com habilidades especiais, os tais grisha. Dons estes que os divide em castas, de acordo com a raridade e poder de cada habilidade. Há também vários países em conflito, e uma nação dividida fisicamente por uma região de trevas, conhecida como dobra, permanentemente envolvida em trevas e habitada por monstros. Essa construção de mundo rica, é ao mesmo tempo o ponto fraco e forte da série.
A riqueza de detalhes, é o que mantém o interesse do público, que quer compreender este mundo mágico. Mas também, é o que o deixa completamente perdido na narrativa. Com apenas oito episódios, e três núcleos para trabalhar, a construção de mundo perde espaço, e não informa o suficiente quem não conhece os livros. Outras consequências do excesso de núcleos e da escassez de episódios, é uma evolução apressada, e algumas conveniências de roteiro.
Surpreendentemente, essas falhas não são suficientes para eliminar o interesse na produção caprichada, e com uma jornada empolgante. Não entendemos tudo que gostaríamos, mas compreendemos o suficiente para acompanhar a jornada em Ravka e países vizinhos. Esperar por mais explicações em temporadas futuras, e talvez até, para gerar interesse pela obra literária. Além disso, os poucos episódios obrigam o roteiro a seguir um ritmo acelerado constante, evitando exageros, enrolação, ou repetições desnecessárias.
O elenco tem seus pontos fortes e fracos, mas em geral é eficiente. Jessie Mei Li, consegue carregar bem a trama, mesmo com um protagonista bastante passiva (característica herdada dos livros, provavelmente). Archie Renaux e Kit Young, entregam o que os personagens exigem. Os destaques ficam por conta do veterano Ben Barnes, imponente no papel do contraponto da protagonista, e de Amita Suman, que dá vida à habilidosa Inej. Já o elo mais fraco é Freddy Carter, que nem sempre convence como líder de seu grupo de vigaristas, nos fazendo questionar como conseguiu tal status.
Direção de arte e figurinos acertam na criação um mundo próprio, que mistura magia e steampunk, sem deixar de lado inspirações do mundo real. Ravka, reino onde se passa boa parte da história, por exemplo, é inspirado na Rússia dos czares. Os efeitos especiais atendem às necessidades da trama, especialmente na diferenciação dos poderes grisha, e nas sequencias dentro da dobra.
Sombra e Ossos tem oito episódios com cerca de uma hora cada, todos estão disponíveis na Netflix.
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