Todo mundo é substituível! O que por uma visão mais pessimista do mundo, significa que todos somos descartáveis, gostemos disso, ou não. Geralmente tentamos evitar essa descartabilidade à todo custo, mas e se chegarmos a um nível de degradação da sociedade, onde ser dispensável é a única opção de alguns? É isso que Mickey 17 se propõe a discutir.
Em um futuro não muito distante e bastante decadente, um grupo de exploradores parte em uma jornada para colonizar o planeta Niflheim. Desesperado para fugir da Terra, Mickey Barnes (Robert Pattinson) só consegue uma vaga na expedição ao se candidatar como um "dispensável". O funcionário dedicado às tarefas mais perigosas, que tem seu corpo reimpresso, e as memórias reimplantadas a cada missão que resulta em morte.
A premissa principal, explora o que aconteceria se uma falha fizesse com que um novo Mickey fosse criado antes do extermínio do antigo. O Mickey 17 ainda está vivo, quando o 18 é criado. Mas o embate entre os doppelgangers, acaba levantando várias outras questões a serem pensadas nessa comunidade. O que é ao mesmo tempo os pontos, forte e fraco do novo filme de Bong Joon Ho. O diretor do excelente Parasita, que aqui adapta o romance Mickey 7 de Edward Ashton.
Acompanhando essa jornada pelo ponto de vista do 17° clone, o roteiro acerta ao explorar os dilemas internos do protagonista. Os eventos que o levaram a se tornar descartável, e ao mesmo tempo, essencial. O que isso significa para aquela comunidade, para os que estão próximos a ele, como a namorada e o melhor amigo, e principalmente para Mickey como indivíduos. É indivíduos, no plural, já que cada nova versão traz características próprias, ao mesmo tempo que constroem uma persona única mais complexa, com soma das experiencias anteriores.
O que fica ainda mais rico, quando temos o embate entre os Mickeys 17 e 18. Vale mencionar, a existência de múltiplos é contra as regras, com pena de extinção permanente. E a rivalidade imediata entre os dois, apenas complica a possibilidade de qualquer um sobreviver.
Individualidade, sacrifício, sobrevivência, e o tratamento que a tripulação oferece à esse indivíduo, já são discussões suficientes para preencher um romance, ou longa metragem. Mas, Mickey 17 não se contenta apenas com a discussão em torno do protagonista. Precisa criticar a sociedade em que ele está inserido como um todo. E é aí, que o roteiro perde o foco, e encontra algumas falhas.
A expedição é comandada por Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), um politico fracassado e intelectualmente limitado, mas que nutre um séquito de seguidores. Ao perder duas eleições, ele encontra na expedição uma forma de se tornar um líder novamente. Imaginou alguns políticos reais que fariam isso? Não é mera coincidência. E obviamente, ele e sua esposa (Toni Collette), que é o verdadeiro cérebro da operação, exploram os tripulantes para viver no luxo, enquanto comandam uma ditadura disfarçada.
Novamente é o embate entre Mickeys que vai alterar o status quo. Somo aí também, a descoberta de uma civilização inteligente, a percepção de que nós somos os aliens dessa vez. E até, quadrângulos amorosos. E Mickey 17 tem temas demais para explorar em pouco tempo, mesmo tendo mais de duas horas de duração. E inevitavelmente, algumas das discussões são mais ricas e interessantes que outras, e não podem ser completamente exploradas já que precisam dividir tempo de tela.
A existência de duas versões de si mesmo, é de longe o tema mais interessante. Mas a discussão pausa pra os duplos brigarem por uma mesma moça. A relação com os nativos do planeta é curiosa, mas entrecortada pelas atitudes imbecis da caricatura assustadoramente realista do governante. Ao menos, essas interrupções são extremamente divertidas, nas interpretações propositalmente patéticas de Ruffalo e Collete.
Steven Yeun também entrega um ótimo, péssimo melhor amigo, embora seu personagem oscile entre "estar sobrando" e a mera ferramenta de roteiro. O mesmo vale para a personagem de Anamaria Vartolomei, que existe apenas para criar uma intriga romantica dispensável. Enquanto Naomi Ackie convence, ao dar vida a uma namorada que se mantém interessada fiel, mesmo com as constantes mudanças do protagonista.
Mas é Robert Pattinson a grande estrela em cena, criando variações distintas de uma mesma pessoa. Com traumas e bagagem próprias, pré e pós se tornar um dispensável. Aliais os dilemas anteriores a essa vida, estão entre os temas mal explorados por falta de tempo. Morrendo de formas divertidamente variadas, e principalmente convencendo no embate entre as duas versões principais, 17 e 18 são completamente opostos. É claro, este último feito conta com, uma boa ajuda da tecnologia, que torna possível e realista o ator contracenar consigo mesmo.
A eficiência dos efeitos especiais para criar os duplos, se entende na criação das criaturas de Niflheim, e do mundo em que a história se passa. Um resultado que passa por bons trabalhos de design de produção, figurino e som. Bong Joon Ho está mais do que ciente do que é preciso para criar um mundo hostil.
Primeiro longa-metragem do diretor desde Parasita, Mickey 17 está construindo a expectativa em torno do sucesso do filme anterior. Mas não poderia ser mais diferente. A crítica social se mantém é fato, mas essa ficção científica tem discussões e tom próprios. E apesar de muito boa, não é tão afinada quanto o vencedor do Oscar de 2020. Tratando de muitos assuntos ao mesmo tempo, não explora completamente nenhum. Mas ao menos, levanta os temas e deixa o público livre para discutir por conta própria pós sessão. E isso já é muito mais, do que vários blockbusters conseguem fazer!
Mickey 17
2025 - EUA / Coréia do Sul - 137min
Ficção Científica
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