O Auto da Compadecida 2

 Eu não sei você, mas eu tava feliz com a ideia de que Chicó e João Grilo seguiram soltos pelo mundo, exercendo suas tramoias, e espalhando seus contos impossíveis, após o desfecho de O Auto da Compadecida de 2000. O que não significa, que não gostaria de acompanhar essas aventuras de perto novamente. Demorou mais de duas décadas, mas Guel Arraes encontrou finalmente, um modo de voltar ao nordeste de Ariano Suassuna.

O Auto da Compadecida 2 nos leva de volta à Taperoá, junto com um bando de turistas, mas nos deixa ficar um pouco mais, já que finalmente seus protagonistas vão se reunir após muito tempo afastados. Abandonado por Rosinha (Virginia Cavendish), e sem o melhor amigo por perto, Chicó (Selton Mello), sobrevive de contar, em troca de algumas moedas, a grande história da vida, morte e ressurreição de João Grilo (Matheus Nachtergaele), que encontrou o Diabo e Nossa Senhora em pessoa.

Trabalho que criou um mito, e trouxe comoção para a cidadezinha com o recente retorno do abençoado. É claro, que tal popularidade, atiça o interesse dos candidatos à prefeito da cidadezinha. O Coronel Ernani (Humberto Martins), e o comerciante e dono da rádio local Arlindo (Eduardo Sterblitch). João Grilo, que não é bobo nem nada, resolve tirar proveito dos dois! E assim o palco está pronto para as tramoias e contos do vigário que tanto adoramos, e que podem custar a vida dos protagonistas novamente.

Respeitando a passagem de tempo, os personagens estão mais velhos, a cidade está mudada, e a intriga em questão é outra. Entretanto, a soma desses fatores constroem um resultado bastante semelhante ao original. Apostando na familiaridade e nosso apego prévio àquele universo. O que significa que João Grilo vai ter ideias geniais e mirabolantes, e Chicó vai embarcar nas suas encrencas, que eventualmente vão culminar em um encontro com a Compadecida (Taís Araújo). Afinal, é preciso justificar o título. 

A diferença fica por conta das encrencas em questão. Se antes os poderosos com que a dupla se metiam eram o clero. Agora o foco são os políticos, criando uma crítica acertada ao cenário político regional. Com o embate entre Ernani e Arlindo, encontrando um caminho cômodo para os dois, que obviamente ignora o povo. Embora, a religião, mais especificamente a fé, ainda estejam no centro das atenções.  Afinal tudo que um povo sofrido tem é a esperança que uma força superior os resgate de seus infortúnios. 

E a cidadezinha de Taperoá, que antes era assolada por cangaceiros, desta vez enfrenta uma seca severa há anos. Agravada pela concentração de recursos nas mãos de poucos. Leia-se, o "coroné" se apossou do único poço! 

Dessa seca surgem as justificativas para a mudança no cenário. Com a igreja, agora em ruínas, como ponto central, a cidade agora é completamente criada em estúdio. Artificialidade que pode incomodar alguns, soando como uma escolha mais cômoda. Afinal filmar em estúdio, traz condições mais confortáveis para a produção. Entretanto a escolha evidencia o tom lúdico e fantasioso da história, assim como o anacronismo daquela terra que parece perdida no tempo. A gente até tenta deduzir em que época a história se passa, mas a cidadezinha fica tão isolada no mundinho dela, que a graça mesmo é não ter certeza do tempo exato.

Outro fator que pode incomodar é a trilha sonora. Apesar de escolher canções pertinentes à trama, e bastante conhecidas do repertório popular brasileiro. O uso repetitivo, no intuito de reforçar mensagens e sentimentos, acaba se tornando obvio e cansativo depois de algum tempo. Por outro lado o retorno do tema incidental do filme anterior, acerta na nostalgia e no resgate daquela atmosfera já bem conhecida. 

Bem conhecido também são os personagens, Selton Mello e Matheus Nachtergaele, parecem não terem ficado um dia longe de Chicó e João Grilo. E fornecem a base, que o restante do elenco acompanha com facilidade. Entregando as tiradas rápidas do afiado texto com o tempo de comédia exato. Cada um dentro das características de seus personagens, desde o carrancudo coronel de Humberto Martins, até o malandro carioca de Luis Miranda. 

O roteiro falha apenas na inclusão da personagem Clarabela (Fabiula Nascimento, excelente apesar de tudo). Mocinha colocada para repetir a rotatividade amorosa de Chicó do primeiro filme, aqui fica perdida. Com seu relacionamento conduzido à parte, e completamente descartado sem receios, quando não é mais necessário. 

Entre altos e baixos, O Auto da Compadecida 2, tem saldo positivo. Não é inovador e revolucionário, e nem pretende ser, chegando até a repetir piadas do original. Mas é carismático e entrega exatamente o que promete, um tempo de qualidade ao lado da dupla de Mello e Nachtergaele. Não será tão memorável quanto o filme de 2000, mas diverte ao mesmo tempo que mata as saudades desse mundo tão particular.

O Auto da Compadecida 2
2024 - Brasil - 104min
Fantasia, Comédia

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