Coringa: Delírio a Dois

 Em 2019 Coringa veio nos relembrar que filmes inspirados em quadrinhos, não precisam seguir alguma "fórmula mágica". Tão pouco devem ser considerado um gênero, ou subgênero por si só. Seus personagens e universos podem ser abordados de diferentes formas, tons e pontos de vista. Assim a jornada do comediante do mal de Gotham, em forma de drama melancólico e pessimista, vista pela perspectiva de uma mente perturbada surpreendeu. Gerou discussões, garantiu prêmios, inclusive dois Oscar, e inevitavelmente acabou por ganhar uma sequencia. 

E a proposta inicial de Coringa: Delírio a Dois é tão interessante quanto seu predecessor. Trazer a música para ilustrar os delírios do personagem título, desafiando novamente o que se acredita sobre filmes de super-heróis, ou melhor de super vilões. O segundo filme seria um musical!

Escolha nada incoerente como muitos reclamaram, já que a cena mais icônica do primeiro filme, é a sequencia de dança na escadaria. Além disso, lá também é determinado que o personagem assiste muitas horas de TV, logo clássicos do cinema musical, podem estar em seu imaginário. Como cereja do bolo, nada melhor que uma estrela do pop, também dona de um Oscar, para compor um dueto. Assim Lady Gaga traz uma nova versão da Arlequina. Criando o cenário perfeito para uma nova revolução nas adaptações de quadrinhos, certo?

Errado. Apesar de tantos elemento favoráveis, Todd Phillips não consegue encontrar equilíbrio. Tão pouco propósito que justifique o filme, ou mesmo a maioria das atitudes dos personagens. Deixando de lado o final ambíguo do primeiro filme, onde muitos gostavam de acreditar que o protagonista morrera, e o desfecho seu último delírio. Este novo filme, situa o vilão em Arkhan, dois anos depois de sua prisão e prestes a enfrentar um julgamento, cujo final muitos acreditam já estar determinado, pena de morte. 

Arkhan aqui é tanto uma prisão quanto um centro de tratamento mental, e é na ala psiquiátrica que o agora contido, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), conhece Lee Quinzel (Lady Gaga). Fã número um do Coringa. E aparentemente, primeira mulher, ou melhor, pessoa, que o compreende. Não demora muito para essa relação reativar o ânimo do vilão, trazendo o comediante psicopata à tempo de criar um circo no tribunal. Tudo delineado por números musicais, que nos fazem questionar todo o tempo, o quanto de cada acontecimento é real, o quanto é mero delírio. 

É na inserção das músicas, e na ambiguidade proposital que a produção mais erra. Não que as musicas, ou números musicais sejam ruins. Pelo contrários, são lindo, bem executados, e com uma excelente entrega do casal protagonista. Mas, na maioria das vezes, eles não evoluem a narrativa, interrompendo-a para e reforçar sentimentos que já compreendemos. Criando uma repetição constante, e consequentemente cansativa. Mesmo para amantes de musicais, ou fãs da Lady Gaga. Em algumas canções nem mesmo essa conexão sentimental é eficiente. O que até poderia ser justificado pela "loucura" dos retratados, mas soa apenas como desconexo, um desvio na trama. 

Outro problema gritante é a falta de propósito do filme em si. Ok, acompanhamos o julgamento de Arthur Fleck, e sua relação com Lee Quinzel, mas esses eventos parecem não levar a lugar algum. O filme literalmente começa e termina em um corredor de prisão, como o Coringa desenganado sem perspectiva de vida. Enquanto o que acontece entre o início ao fim, é marcado por escolhas confusas, mesmo para personagens confusos. 

Uma escolha de Arthur no clímax por exemplo, não se justifica diante de tudo que o personagem fizera até ali. A não ser para gerar uma reação específica em Lee, e levar o desfecho do filme para onde o diretor queria, o esclarecimento de quem é o Coringa de fato. Já a moça por sua vez, tem suas intenções mantidas na ambiguidade até o fim. É apenas da advogada de Fleck que temos uma hipótese interessante sobre suas verdadeiras intenções, que nunca é confirmada. Deixando a cargo do público, escolher como entender a personagem de fato. Uma real admiradora, uma mulher apaixonada, alguém atrás de fama rápida, uma aficionada por crimes reais, ou uma terapeuta fazendo um experimento? Escolha a versão que mais te agradar!

Dentro disso, Joaquin Phoenix e Lady Gaga entregam boas performances. Ele mantendo a coerência e expressividade física apresentadas no primeiro filme. Ela criando uma persona que facilmente entra em sintonia com o ele. Enquanto o restante do elenco acompanha o tom, em seus papéis extremamente pequenos. 

A fotografia, continua eficiente, para criar esse mundo visto por uma mente perturbada. Mas não inova muito, repetindo propositalmente o que fora feito no filme anterior. Mesmo nos números musicais, que mesmo quando mais inventivos, se mantém na mesma atmosfera, depressiva e caótica. 

Coringa: Delírio a Dois tem uma ótima ideia, e boas ferramentas para cumpri-la. Além da coragem de arriscar, os fãs do primeiro filme, podem não embarcar em uma proposta tão diferente como um musical. Entretanto, algo se perdeu no caminho. A ambiguidade entre realidade e deliro, extrapola o compreensível. De um certo ponto de vista, todo o filme pode ser uma ilusão de uma mente perturbada. As músicas atrapalham o ritmo, e junto com a longa duração, cansam a audiência. 

O resultado é um sentimento tão confuso quanto a mente dos protagonistas. Não assistimos a um filme ruim. É sim uma obra bem construída. Mas ao mesmo tempo, não apreciamos a jornada, tão pouco compreendemos o porquê de sua existência. Um filme complexo e belo, porém desnecessário. 

Coringa: Delírio a Dois (Joker: Folie à Deux)
2024 - EUA - 138min
Drama, Musical

Leia a crítica de Coringa!



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