O Retorno de Simone Biles

Muito se especulou e discutiu quando Simone Biles, maior promessa das ginástica nas Olimpíadas de Tókio, desistiu da competição em plena arena. O documentário da Netflix O Retorno de Simone Biles, promete apresentar melhor este evento. Aparentemente ignorando que também faz parte do problema. 

Em uma narrativa não linear e com a própria Simone como guia, e depoimento daqueles mais próximos a ela, a produção discute eventos da vida da ginasta. O auge nos jogos do Rio em 2016, aos dezenove anos, os treinos extenuantes e por vezes abusivos, o escandaloso caso de abuso sexual de um médico da equipe contra dezenas de ginastas, o colapso de Tókio 2020, detalhes da vida intima da moça, e claro seus grandes feitos no esporte. 

Todos temas extremamente relevantes interessantes, mas que sofrem pela não linearidade mal ajambrada da narrativa. Não me entenda mal, um documentário pode sim fugir da rigidez da linha do tempo, para situar melhor cada tema abordado. Mas é preciso haver lógica, fluidez e simplicidade de compreensão de quando cada evento aconteceu. Coisa que O Retorno de Simone Biles não tem ao saltar de um evento ao outro indiscriminadamente.

Ao menos, quando centrado em determinado tema, a narrativa é eficiente em apresentar o todo. E claro, exaltar constantemente sua estrela máxima. Mas sem receio de escancarar os momentos mais delicados de sua vida como o abuso sofrido pelo medico da equipe. Totalmente ignorado, e até relevado pelos adultos que deviam protegê-las, afinal a maioria dessas atletas são crianças e adolescentes. E principalmente, os eventos das olimpíadas de 2020 (realizada em 2021 por causa da pandemia).

O documentário faz questão de esclarecer a condição física e mental, que afastou a moça da competição. Chamada de "twisties", é uma desconexão entre corpo e mente, que faz com que os atletas não tenham controle de seus movimentos. Geralmente causado por estafa e traumas reprimidos, e que pode ser mortal, quando você está dando uma pirueta em pleno ar. A dificuldade de aceitar e superar a condição, e a possibilidade de nunca retornar à arena. 

Outro tema que chama atenção é a percepção pública e da mídia. Tanto em relação à desistência, quanto à imagem de Biles. Em um esporte de elite, onde a visão racista impera, a imagem de ginastas negras ainda é mal vista. Fazendo com que os principais comentários sobre as atletas sejam em relação à sua aparência e não seu desempenho. Ganhar todas as medalhas de uma competição, e mesmo assim, só receber comentários maldosos sobre seu cabelo, é o tipo de absurdo que essas meninas enfrentam.

Mas nada é mais curioso que a existência do documentário em si. Claramente em produção desde antes dos jogos de Tókio, é o exemplo perfeito da pressão prejudicial sobre os atletas. Considerada a maior atletas dos jogos, Simone tem que lidar com as expectativas dos treinadores, patrocinadores, público, e suas próprias, além de estar sempre receptiva à essas câmeras que a seguiam. 

O resultado disso conhecemos, Biles colapsou, deixou a competição e o documentário ficou inacabado. Apenas para ser retomado normalmente, assim que a moça voltou a treinar, após um ano e meio de tratamento mental e físico. O oportunismo e soberba estadunidense é evidente, assim como o pouco aprendizado sobre a pressão que esse tipo de atenção coloca nas pessoas. 

Por outro lado, é bastante divertido observar essa certeza de vitória cair por terra em alguns momentos. Como quando o documentário cria todo um suspense em torno do salto inédito da moça. Que sim o faz com sucesso, e o nomeia no Mundial da Antuérpia na Bélgica, mas na hora do pódio, é o individual geral que vemos. Não a medalha do salto, já que esta ficou com Rebeca Andrade. 

E por falar na brasileira, ela é mencionada como grande adversária de Simone nos jogos de Paris 2024, no trailer dos próximos episódios. Pois é a série não está completa! Apenas dois episódios foram liberados. E fica clara a intenção de realizar o projeto interrompido nas olimpíadas anteriores, acompanhar de perto a maior vitoriosa da edição. 

Resta saber, se dessa vez a pressão não vai atingir Simone. E mesmo que ela passe ilesa, se seus feitos corresponderão a expectativa dos documentaristas. Mas isso é assunto para próximos episódios. Até lá, que os jogos comecem!

O Retorno de Simone Biles tem dois episódios com cerca de uma hora cada, já disponíveis na Netflix

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