A Pequena Sereia

Como todo remake de um clássico, cada live-action de uma animação Disney, chega aos cinemas cercado de porém e expectativas. Desde o pé atrás de quem vê a fórmula apenas como um meio fácil do estúdio ganhar dinheiro (o que de fato, também é), passando pelas comparações inevitáveis com o original, e as altas expectativas de quem quer ver seu desenho favorito "ganhar vida". Mas ouso dizer, que A Pequena Sereia ainda tem outros dois desafios: o boicote de quem alega querer fidelidade apenas para disfarçar seu preconceito, e a responsabilidade de atender à uma fatia do público que pela primeira vez se vê representada em tela. Com tantas obrigações o risco é a diversão e o encantamento se perderem pelo caminho. 

Ariel (Halle Bailey), filha mais nova do Rei Tritão (Javier Bardem) é encantada e curiosa pelo mundo dos humanos, mas proibida de visitá-lo. Quando resgata, e se apaixona pelo príncipe humano Eric (Jonah Hauer-King), decide arriscar tudo e fazer um trato com a bruxa do mar Ursula (Melissa McCarthy) para conseguir pernas humanas. 

Sim, a história é a mesma do clássico de 1989, sem tirar nem por. As maiores alterações ficam por conta de atualizações para agradar o "politicamente correto", e a tentativa de dar um pouco mais e de escopo ao príncipe. Assim, nada de beijar moças sem permissão, não há jardim de pobres e desafortunadas almas aprisionadas pela menos assustadora vilã, e descobrimos que Eric tem seus próprios interesses além de procurar moças misteriosas. Nada que de fato altere, ou enriqueça, a história, que convenhamos não precisava nem mesmo destes retoques. 

Rob Marshall (diretor de Chicago e Caminhos da Floresta) ainda emula com assustadora fidelidade, muitos momentos icônicos da animação. Se isso vai encantar ou incomodar, depende do freguês. Particularmente, eu até gostei de uma recriação de cena ou outra, mas o excesso delas, me gerou um incomodo senso de falta de originalidade.

Já entre as partes em que diretor e roteiro de fato tentaram entregar algo novo há erros e acertos. Ampliar a canção "I Want" (a música do querer que todo protagonista Disney tem), e trazê-la em novos momentos, com mais motivações é um acerto. As reprises de Part of Your World reforçam o desejo e a determinação da protagonista. O mesmo não se pode dizer da inédita canção de querer de Eric, Wild Uncharted Waters, para o filme para repetir o que dito, de forma bem melosa e piegas. Troy Bolton bradando Bet on Me pro horizonte em High School Musical 2, me veio à mente. 

Dedicar mais "tempo de qualidade" entre o casal romântico é outra boa escolha. Assim como oferecer à protagonista uma canção quando esta já está em terra (Ok, ela não tem voz nesse momento, mas encontraram uma solução), explorando melhor a empolgação da personagem e a bela voz de sua interprete. 

Amenizar o lado assustador de Úrsula (afinal crianças de 2023 não podem ser assustadas como as de 1989!) e até alterar sua música são provavelmente os maiores equívocos. Ela é a vilã, deve aterrorizar e pode defender coisas erradas em suas canções. É o que vilões fazem! A interpretação de Melissa McCarthy, segue essa linha menos expressiva, ao ponto de que seus tentáculos de CGI comuniquem mais que seu rosto.

E por falar em CGI, o oceano é lindo. O que torna Under The Sea, um número vibrante e bonito de olhar, ainda que não tão empolgante quanto a versão animada. Isso porquê a escolha pelo hiper-realismo que os live-actions tem escolhido, limitam e engessam os personagens não humanos. Nada de peixes tocando e cantando, ao invés disso temos um Sebastião, um linguado e um Sabidão lindamente realistas, mas igualmente inexpressivos. Daveed Diggs e Awkwafina até se esforçam, para oferecer personalidade para Sebastião e Sabidão (ou seria Sabidona agora?) respetivamente, mas não há como transpor para os animais a expressividade de suas vozes. Linguado tem a voz de Jacob Tremblay.

Continuando com o elenco, Javier Bardem e Noma Dumezweni funcionam como os pais dos protagonistas, mas apenas isso. Assim como a presença de moças de várias etnias pra viver as irmãs da protagonista, são apenas uma curiosidade, não interferem de fato para a história. Para quem gosta de easter eggs, é possível ver Jodi Benson, a voz da Ariel animada, em uma ponta no filme. 

Jonah Hauer-King é um príncipe Eric funcional, atende ao que o personagem precisa, mas não o carisma que justificaria abrir mão de seu mais precioso dom por uma chance de ficar com ele. A gente acredita que ele é o mocinho, e tá de bom tamanho. Mas as maiores atenções estão voltadas mesmo para a sereia título. 

Halle Bailey, já entrou nesse papel em desvantagem (ah, meu deus ela não é igual ao desenho!), e poderia desmoronar diante da cobrança extra que pessoas negras recebem ao conquistar papéis de destaque. A sociedade exige muito mais provas de merecimento. Na questão musical, a moça já provou ainda nos trailers, sua interpretação das músicas é ainda mais potente que no clássico de 1989. Já na atuação, há alguns escorregões. Um certo engessamento, talvez proveniente da dificuldade de atuar com tantos elementos em CGI, peixes, caudas, contracenar com o que não existe, etc... Limitação que atinge todo o elenco em um momento ou outro. 

Dificuldades tecnológicas à parte Bailey, consegue sim trazer a aura de Ariel. A desobediência, a determinação, o anseio por conhecer o mundo, e principalmente o encantamento silencioso, quando a protagonista já está em terra firme e sem voz. A atriz consegue entregar estes diferentes estágios com a propriedade de alguém, que conhece e ama a personagem, como milhares de meninas e mulheres ao redor do mundo. Pode não parecer muito, mas ela conseguir superar as críticas e exigências, é sim um passo importante, para a representatividade e o antirracismo.

Entre a dificuldade de conciliar realismo, bom CGI e contos de fadas, o receio de inovar e o desejo de homenagear o original, a nova versão de A Pequena Sereia tem um resultado mediano. Diverte, entretém, e deve encantar principalmente quem não tem o original na memória como comparação. É bom, mas deixa a impressão de que poderia ser muito mais. Garante seu lugar na prateleiras dos bons remakes live-actions, mas não está no topo!

A Pequena Sereia (The Little Mermaid)
2023 - EUA - 135min
Fantasia, Aventura, Musical

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