Muita gente é familiarizada com a obra de Roald Dahl sem sequer saber o nome do escritor britânico. Isso porque muitas de suas obras viraram clássicos da sessão da tarde nas telas, como A Fantástica Fábrica de Chocolate, Convenção das Bruxas e O Bom Gigante Amigo. Tendo apenas as versões das telas como referência, muitos podem ser levados à acreditar que Matilda: O Musical da Netflix é um remake do filme de 1996 estrelado por Danny DeVito e Mara Wilson. Impressão que não poderia estar mais errada.
Ok, a história é basicamente a mesma. Uma garota superdotada ao ponto de ter poderes especiais e negligenciada pela família, começa a frequentar a escola dirigida por uma tirana que odeia crianças. Determinada, inteligente e habilidosa, as atitudes da garota ajudam as crianças a se libertar do punho de ferro da diretora. E a reparar uma injustiça cometida com sua doce professora. A diferença aqui é principalmente a origem da adaptação, não apenas o livro de Dahl, mas a versão musical para os palcos.
É nesta transposição de páginas para músicas, e de palcos para as telas, que a adaptação se enrola. Colocando o espetáculo musical à frente da estrutura narrativa, a história empaca e se repete. A sensação de que a trama não evolui é inevitável. Especialmente, por causa das inserções da história do escapologista e da acrobata contada pela garota. Quem conhece o conto, compreende logo a suposta alegoria, o que torna o ritmo lento para contá-la ainda mais cansativa.
Enquanto isso, a trama principal é negligenciada, explorada por episódios que trazem momentos marcantes do livro, sem necessariamente dar-lhes o devido peso. Matilda tinge o cabelo do pai, não há consequências além de uma linha de diálogo. Harry destrói o livro da biblioteca, nada acontece. Ninguém é punido pelo evento da salamandra, e por aí vai.
Ainda sim a maioria estes momentos icônicos estão presentes, alguns engrandecem quando acompanhados por música, como a sequencia do bolo. Outros apenas se repetem, à exemplo do solo da Srta. Honney que apenas repete as lamúrias que a professora acaba de contar à garota. Enquanto a premissa original da cena, discutir os poderes de Matilda é deixada de lado. O roteiro de Dennis Kelly não consegue tornar fluida a transição de uma assunto ao outro, tornando a evolução desconexa e episódica.
Se por um lado a produção falha na evolução da trama, por outro aposta todas as fichas nos números musicais. Estes sim complexos e bem executados. Some-se aí, a dificuldade de coreografar e coordenar uma quantidade enorme de crianças. A molecada, se empenha tanto no canto, quanto na coreografia, tornando os números enérgicos e empolgantes. A prova disso, é a viralização do número Revolting Children, liberado pela Netflix cerca de um mês antes da estreia na plataforma (o filme ja estava em cartaz nos cinemas do Reino Unido), tomou as redes sociais de assalto, inspirando dancinhas e despertando o interesse para a produção.
Carismática Alisha Weir carrega bem a produção, especialmente nos solos da protagonista. Entretanto, quem chama atenção é Emma Thompson, e sua construção da detestável Sra. Trunchbull sob pesada maquiagem. E claro, Meesha Garbett roubou a cena antes mesmo do filme estrear com sua performance de canto e dança. Ela é a garota de boina vermelha, Hortensia. O elenco ainda conta com Lashana Lynch, Stephen Graham e Andrea Riseborough.
Por se tratar de um musical, o tom é naturalmente mais fantasioso. Apostando nos estremos, quando é triste é tudo cinza (à exceção da casa brega multicolorida dos WormWood), quando as coisas estão bem a profusão de cores surge. Bem como a atemporalidade da obra, deixa diferentes gerações livres para se identificar com esse mundo. Apesar de assumidamente bem britânica, a história de Matilda poderia acontecer em qualquer lugar, à qualquer tempo.
Primeiro de um grande projeto para adaptar as obras de Roald Dahl, criando um universo do autor. Matilda: O Musical é uma boa pedida para uma sessão e família (as versões em português das canções também funcionam, para assistir dublado com os pequenos), mas não é tão eficiente quanto poderia ser. Valoriza as canções em detrimento da narrativa, mas se garante no carisma do elenco e nos números musicais. Gerando alguns momentos de repetição e fadiga.
Ainda prefiro a versão de 1996, mas as músicas são sempre bem vindas. Assim como a oportunidade de se familiarizar com a versão dos palcos, que nós brasileiros, raramente teríamos chance de conhecer.
Matilda: O Musical (Roald Dahl's Matilda the Musical)
2022 - Reino Unido - 117min
Musical, Fantasia
Leia também: Curiosidades de Matilda (1996)
Postar um comentário