Acho que percebi um padrão não proposital em The Crown. A cada mudança de elenco a série amorna, quase como se reapresentasse os personagens, e reposicionasse as peças no tabuleiro para a temporada seguinte. Aconteceu no terceiro ano da série, e se repetiu neste quinto. Um fenômeno que tem seus prós e contras. Se por um lado constrói com perfeição as bases para um ano seguinte robusto, por outro entedia e afasta o público menos paciente.
Esta quinta temporada inicia os atribulados e midiáticos anos de 1990, os mais difíceis para esta geração da realeza até então. A mudança da opinião pública sobre família real, a ameaça de obsolescência, os casamentos fracassados e principalmente os escândalos envolvendo Charles (Dominic West) e Diana (Elizabeth Debicki) preenchem os episódios desta temporada, que ainda cobrem o incêndio de 1992 do palácio de Windsor e a apresentação do milionário Mohamed Al Fayed (Salim Daw) e seu filho Dodi Al Fayed (Khalid Abdalla).
Já com quatro décadas de reinado Elizabeth (Imelda Staunton) começa a ser vista como ultrapassada, e a monarquia como um todo de alto custo e pouco retorno à população. Discussões apresentadas tanto de forma direta, com a mídia e as investidas de Charles para que a mãe abdique em seu nome, quanto de forma alegórica, através do empasse do ultrapassado e de reforma exorbitantemente cara iate real. A embarcação eventualmente é aposentada, já a família real deve tomar outros rumos frente aos súditos nas temporadas futuras, como bem sabemos da vida real. Aqui temos apenas um vislumbre disso, quando um jovem príncipe William (Senan West) moderniza a transmissão de TV do palácio.
Imelda Staunton imprime ainda mais comprometimento e estabilidade à figura de sua rainha, que agora vê essas qualidades serem mal recebidas pela população, como símbolo de estagnação e atraso. Ao mesmo tempo a monarca também se sente falha como mãe, pelos rumos que a vida de seus filhos tomaram, em especial o herdeiro ao trono.
E por falar em Charles, talvez seja ele a primeira escalação equivocada da produção. Não que Dominic West seja um ator ruim, mas sua postura altiva e seu ar de galã, não conectam sua versão a imagem que temos do, agora Rei Charles real. Tão pouco com o trabalho de semblante travado e irritadiço que Josh O'Connor entregou na temporada anterior. Charles aqui parece mais acessível e confiante, o que vai de encontro com o comportamento do personagem no roteiro.
Já Elizabeth Debicki desaparece atrás da postura, tom de fala e trejeitos de Lady Di. A personagem evoluiu perdendo sua inocência e a submissão da temporada anterior. Tornando-se mais afrontosa, muito magoada, solitária e um pouco paranoica (talvez com razão, diga-se). Acredito também que haja uma maior preocupação na caracterização de Diana, devido a popularidade de sua imagem até os dias de hoje. A comparação é inevitável, mas o resultado satisfatório. Debicki é Diana!
Entretanto, embora os embates entre o casal de Gales sejam o cerne da temporada, essas situações parecem sub aproveitadas, especialmente em suas consequências. A sensação é que a série está mais preocupada em recriar momentos icônicos do que de fato explorar seu impacto dos personagens. Assim, temos recriações memoráveis, como as gravações das ligações entre Charles e Camila, o vestido da vingança e a entrevista de Diana, mas pouco é extraído delas além algumas linhas de diálogo.
Enquanto a série se foca no casal, personagens que antes tinham mais espaço, agora são relegados a segundo plano. Um bom exemplo é a Princesa Margareth (Lesley Manville), que parece ganhar um breve encerramento em seus conflitos.
É o episódio centrado na família Al Fayed que nos dá total noção do objetivo da temporada preparar terreno. O roteiro interrompe a história para apresentar pai e filho, mostrar seu enriquecimento e envolvimento com a alta classe britânica, apenas para que os personagens estejam prontos quando sua conexão com a realeza for realmente relevante. O mesmo acontece com o casamento de Lady Di e Charles, e com a imagem da realeza diante do público, o quinto ano constrói um grande panorama, para o sexto ano resolver. Tanto que não há grandes eventos ou ganchos ao final da temporada apenas um tabuleiro bem montado, com todas as peças posicionadas para o conflito.
A reconstrução de época, e recriação de figurinos mantém sua qualidade espantosa, embora a década de 1990 não pareça tão charmosa e encantadora quanto as décadas anteriores. Enquanto mudança de elenco não causa mais tanta estranheza quanto na terceira temporada, mas talvez a mudança de foco cause.
A quinta temporada de The Crown não tem medo de mudar o foco. Vemos menos de uma já estabelecida Elizabeth II (até mesmo a interação com o primeiro ministro tem pouca relevância), e mais de um ansioso e ambicioso Charles. Devo admitir, achava graça toda vez que o personagem se apresentava como uma opção de modernização e jovialidade para a realeza, considerando que agora, ele é o monarca mais velho a subir ao trono britânico.
Humor involuntário a parte, esta é sim uma temporada mais morna. Mas não se engane, é uma escolha proposital, que sim pode afastar alguns, mas prepara a narrativa de forma impecável para o futuro. E vale apontar mesmo em suas incursões mais fracas, The Crown está uma nota acima da maioria das produções atuais. Tudo indica, que o pouco movimentado quinto ano, entregue uma sexta e última temporada bombástica.
The Crown tem cinco temporadas, com 10 episódios cada, todos disponíveis na Netflix. Leia as críticas do primeiro, segundo, terceiro e quarto anos da série.
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