Desencantada

Eu costumo pesar em Encantada como um jovem clássico favorito dos contos de fada. Precisou a chegada da sequencia Desencantada para eu perceber, o filme já tem quinze anos. E com essa percepção vem o questionamento: não seria desnecessária, ou extremamente tardia a chegada desta sequencia?

Anos se passaram desde o "viveram felizes para sempre" de Giselle (Amy Adams), Robert (Patrick Dempsey) e Morgan (Gabriella Baldacchino). A chegada de um bebê e o desejo de Giselle de uma vida mais parecida com o cotidiano de Andalásia, faz a família se mudar para a cidadezinha de Morroesville. À contragosto de Morgan, colocando Robert distante do trabalho, em uma casa que ainda precisa de reparos. Mas a princesa tem um jeito de reparar isso, desejando literalmente uma vida de contos de fada. É claro, que magia nunca realmente soluciona nada né!

A proposta é interessante, fazer o oposto do primeiro filme, levar o mundo real para o mágico, enquanto explora a relação entre Giselle e Morgan. Nada de romance, a protagonista já encontrou seu amor verdadeiro no primeiro filme, lembra? Entretanto sua execução é um pouquinho mais complexa.

À começar pelas motivações. Sim, entendemos que a protagonista está saudosa e relutante em aceitar uma nova fase na vida, e que esta é a evolução que a personagem vai passar ao longo do filme. Mas a relutância após anos de adaptação parece atrasada, e a insistência em mudar mesmo que isso complique a vida, ou desagrade aqueles que ama, soa egoísta e nada compatível com a princesa que conhecemos no original.  

O foco na relação entre madrasta e enteada também é uma escolha acertada. Giselle agora é uma madrasta, e isso significa muita coisa no mundo de contos de fada. Por outro lado, o foco nas duas deixa evidente que os roteiristas não sabiam o que fazer com Robert. O pai da família é jogado de um lado para outro em missões sem sentido, apenas para fazer graça e justificar sua presença. Enquanto o bebê Sofia parece estar lá apenas porque era esperado que o casal tivesse mais filhos, e como pretexto para o presente mágico que possibilita a trama chegasse às mãos da protagonista. Depois disso, a personagem é literalmente deixada de fora da história, aos cuidados de três figurantes. Fadas tal qual, Fauna, Flora e Primavera, mas ainda figurantes.

Outo ponto ponto a se pensar, é o fato de apenas a protagonista perceber a mudança para o mundo de contos de fada. Já que cresceu nesse cotidiano, não há o choque de realidades que tanto encantava no primeiro filme. Até mesmo os detalhes mágicos que saltavam aos olhos anteriormente, aqui passam batidos em meio à tantas referências forçadas e gratuitas. Os caçadores de easter-eggs devem se deliciar com a grande quantidade de alusões aos clássicos Disney. Mas a maioria apenas está lá, sem função na história, nem mesmo fazendo aquelas piadas sarcásticas e inteligentes do longa original. 

As músicas também passam a sensação de serem obrigatórias e burocráticas. (Opa, tivemos dez minutos de filme, vamos colocar uma música aqui!) Em maior número que no filme anterior, maioria das canções interrompe a história, apenas para reforçar o que já foi dito, ao invés de evoluir a narrativa. Nem mesmo a canção de embate entre as duas vilãs empolga. E claro, dessa vez não deixaram de usar os talentos musicais de Idina Menzel. A voz oficial da Elsa, não tinha uma canção no primeiro filme, dessa vez, sua Nancy tem um belo solo, cheios de notas bem altas.

É o elenco o responsável pelos pontos altos do filme. Claramente empolgados e contentes em se reunir, os atores se mostram dedicados mesmos quando seu tempo de tela é pouco, como acontece com James Marsden, Jayma Mays e Yvette Nicole Brown. Gabriella Baldacchino substitui Rachel Covey como Morgan com eficiência (a interprete original faz uma pequena ponta no filme), trazendo ao mesmo a determinação e o ímpeto da adolescência, ao mesmo tempo que a doçura escondida de uma jovem que cresceu amando contos de fada. Além de ser muito parecida fisicamente com a versão mirim da personagem. Enquanto Maya Rudolph diverte com sua rainha má, mas a falta de profundidade da personagem, impede que ela vá além do estereótipo.

O destaque fica mesmo com Amy Adams, que não apenas traz o espirito fabulesco da protagonista de volta, mas agora a faz oscilar entre personalidades opostas. Ambas brincando igualmente com os estereótipos, trejeitos, e clichês dos contos de fadas. A princesa Giselle é doce e suave. A madrasta Giselle é sarcástica e firme. E Adams muda de uma para outra, incluindo postura, olhar e tom de voz, em um piscar de olhos, enquanto mantém sua evolução. A mocinha agora tem que se descobrir como mãe de adolescente, nesta nova fase da vida. 

O longa ainda traz de volta os momentos em animação tradicional, e muito mais efeitos em CGI. Estes últimos evidenciam o orçamento de "filme de streaming" (o filme foi lançado diretamente no Disney+), especialmente na criação da "nova versão" do esquilo Pip (voz de Griffin Newman). Já o design de produção e figurinos são eficientes dentro do que o filme exige, mas nada que realmente salte aos olhos. 

Apesar de eu acreditar de que não fora essa a intenção, Desencantada, como o nome sugere não traz o mesmo encantamento do longa original. Traz uma proposta criativa, mas se perde em sua execução. Traz bons momentos, mas se estende demais e nos cansa em outros. Ainda é um bom programa para uma sessão de família descompromissada, graças ao carisma dos personagens, e intérpretes, e a visivel vontade e empolgação envolvida na produção . Não era uma sequencia necessária, nem é indispensável, mas não faz mal termos mais esse tempo com os habitantes de Andalasia e companhia. 

Desencantada (Disenchanted)
2022 - EUA - 119min
Fantasia, Musical

Desencantada estreou diretamente no Disney+!

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