A Casa do Dragão - 1ª temporada

Empolgação e desconfiança cercavam igualmente a estreia de A Casa do Dragão, a nova série baseada no universo criado por G.R.R.Martin. Entretanto, diferente de sua série predecessora, Game of Thrones, a produção atual tem uma trama principal já determinada, e aposta nas lacunas e diferentes pontos de vista para construir uma experiência interessante para leitores e novatos. 

É o auge da dinastia Targaryen, mas a sucessão de Viserys (Paddy Considine) é uma incógnita. Ao perder a esposa e o filho homem para o parto, o rei decide nomear sua única filha  Rhaenyra (Milly Alcock/Emma D'Arcy) como herdeira do Trono de Ferro. Mas o governante se casa novamente com a jovem Alicent Hightower (Emily Carey/Olivia Cooke), e tem novos herdeiros, homens. Agora a legitimidade da filha é questionada, e a série circula entorno do embate da herdeira original e os novos candidatos.

Embate que se mantém em uma guerra fria ao longo de duas décadas, com muitos pequenos conflitos que vão culminar na famosa Dança dos Dragões, a guerra entre herdeiros Targaryen e seus aliados. A escolha dos roteiristas foi utilizar uma temporada para construir e apresentar as circunstâncias que constroem o conflito. Apostando em pontos chaves ao longo de muitos anos. Escolha que tem seus prós e contras, se por um lado não há enrolações e muitos momentos mais contemplativos, por outros a construção do cotidiano apresentações e relações entre os personagens, perdem espaço. 

Outro fator negativo, são os muitos saltos de tempo, que incluem trocas de elenco que podem confundir parte do público. Quando finalmente aprendemos os complicados nomes dos personagens, seus interpretes são trocados. Outros são jogados em cena, sem grandes apresentações, como os gêmeos Arryk e Erryk (Luke Tittensor e Elliott Tittensor). 

A série parece apostar na vontade do espectador em pesquisar, discutir, trocar informações e fazer teorias sobre cada o episódio. Assim ousa omitir vários momentos, sugerir outros e deixar detalhes para a dedução do público. Sim, teorizar, acompanhar lives do youtube e pesquisar por conta própria é envolvente e divertido, mas não devia ser requisito para compreender o programa em sua totalidade. A série precisa funcionar sozinha. E além disso, ainda existem detalhes que teoria nenhuma explica, como a indulgência em relação aos atos de Sir Christan Cole, no casamento da princesa. Mas tudo bem, digamos que como fãs de fantasia superamos este porém, e aí sim pudemos aproveitar os pontos fortes da obra, que são muitos. 

À começar pelo elenco. Se o cotidiano e relações são apressadas, o bom elenco é eficiente ao em poucas cenas expressarem com clareza, os anseios, motivações e conflitos de seus personagens. Paddy Considine e Matt Smith se destacam ao dar vida aos irmãos opostos Viserys e Damon. Enquanto o primeiro constrói um rei bem intencionado e determinado, mas de escolhas não tão seguras e sua gradual deterioração. O segundo começa como a personificação do caos, e mantém a personalidade ambígua e perigosa que nos faz oscilar constantemente entre admiração e terror.

Outros que esbanjam carisma são os interpretes do casal Velarion (Steve Toussaint e Eve Best), o forte e ambicioso Lord Corlys Velaryon, e a astuta rainha que nunca foi princesa Rhaenys. Já Fabien Frankel, acerta ao transformar o galante cavaleiro Sir Criston Cole, em um odiado ex rancoroso. 

Mas são Rhaenyra e Alicent quem conduzem a narrativa. Aqui a série surpreende ao fazer a transição entre as versões jovens e adulta das personagens de forma orgânica e eficiente. Elas não apenas envelhecem, evoluem e amadurecem. A princesa impetuosa e assustada de Milly Alcock cresce para se tornar a candidata cautelosa e sensata ao trono de Emma D'Arcy. Enquanto a assustada e manipulada Hightower de Emily Carey, se torna a feroz jogadora da guerra pelo trono de Olivia Cooke. Esta última se superando ao apresentar diferentes camadas e sentimentos simultâneos que sua personagem enfrenta.

Narrativamente, a produção acerta ao apostar nas "lacunas" que o material base proporciona. Fogo e Sangue, livro no qual a série é baseada, é um relato histórico produzido por meistres. Um registro a ser acessado por quem quer estudar a dinastia Targaryen, que também existe dentro da história, e é relatado por fontes externas. O que dá margem à muitas versões e interpretações de cada fato. O roteiro da série, pega essas muitas opções e constroem sua própria versão dos fatos, conseguindo assim surpreender também os leitores. 

Mais econômicos e diretos que os da primeira série da franquia, os diálogos de A Casa do Dragão muitas vezes dão lugar a ações e expressões eloquentes. Muito é dito nas entrelinhas, por gestos, olhares e atitudes. Algumas coisas, que explicadas em falas talvez não tivessem o mesmo impacto.

A série também corrige algumas falhas de sua antecessora, adotando um elenco mais diverso, e tratando melhor temas como violência sexual e a forma de retratar mulheres. O aumento de diretoras nas produção, é provavelmente o que proporciona esta abordagem mais acertada. Discute-se então o papel e o valor da mulher nesta sociedade, e as imposições que são feitas a ela. Além de outros temas que afetam todos os personagens, como homossexualidade, legitimidade, lealdade, ganância, manipulação, remorso, assassinato e destino. Este último em uma desnecessária e incoerente conexão como Game of Thrones. Precisa haver um Targaryen no Trono de Ferro quando a Longa Noite chegar? Peraí, a gente já viu isso. E não foi bem assim. 

Tecnicamente, a produção é quase sem falhas. Infelizmente caiu novamente no erro da fotografia escura que vimos na Batalha de Winterfell, no episódio sete, Driftmark. Ambos dirigidos por Miguel Sapochnik, vale ressaltar. Ele também dirigiu a ótima Batalha dos Bastardos, e atuou como showrunner desta série. 

Figurinos, maquiagem e perucas (muitas perucas!), ajudam a compor com eficiência a personalidade dos personagens, bem como a diferenciar casas, aliados e a passagem de tempo. Enquanto a cenografia resgata formas conhecidas pelo público, ao mesmo tempo que atualiza e amplia aquele mundo. 

Mas o que interessa mesmo para o fã de A Casa do Dragão, são é claro, os dragões! Mostrados com parcimônia, a produção parece preferir caprichar em cenas pontuais, ao invés de encher o cenário com as feras. Assim, temos uma variedade de criaturas impressionante. Todos os dragões são diferentes, tem formas cores e personalidades distintas, além de relações complexas com seus montadores. São absurdamente realistas, e ao invés de usados à exaustão como chamariz, estão presentes apenas quando podem somar à narrativa.

Compreendendo um grande período de tempo, o que traz vantagens e desvantagens calculadas, a primeira temporada de A Casa do Dragão é uma grande preparação. Uma construção complexa e detalhada para a Dança dos Dragões de fato decolar no segundo ano. A série conseguiu a proeza, de ser empolgante e dinâmica, apesar de ser praticamente uma introdução. Surpreende e conquista até quem estava mais desconfiado, e tem todas as condições para um desenvolvimento e desfecho mais uniforme e coerente que Game of Thrones.

A primeira temporada de A Casa do Dragão tem dez episódios com cerca e uma hora cada, exibidos pela HBO e disponíveis na HBO Max.

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