A Escola do Bem e do Mal

 Subverter contos de fadas não é exatamente uma novidade, Shrek já fazia isso com muita ousadia lá em 2001. Entretanto, mesmo duas décadas depois da chegada o ogro o revisionismo dos contos de fada ainda tem muito a explorar, especialmente em produções live-action. É essa lacuna que A Escola do Bem e do Mal da Netflix pretende preencher ao adaptar o livro homônimo de Soman Chainani. 

Não poderia haver amizade entre opostos mais curiosa que a das Sophie e Agatha (Sophia Anne Caruso e Sofia Wylie) de Gavaldon. A primeira sonhadora, com fantasias de contos de fadas e aparência de princesa. A segunda mais realista, de aparência fora dos padrões e constantemente chamada de bruxa pelas pessoas do vilarejo. Insatisfeitas com suas vidas, as garotas eventualmente são levadas para a A Escola do Bem e do Mal, mas separadas. Sophie tem certeza de ter sido erroneamente alocada na escola do mal, enquanto Agatha, na escola do bem, só quer encontrar a amiga e ir para casa. 

A partir daí as moças são obrigadas a frequentar suas respectivas escolas, e começam a perceber que as coisas em ambas não são exatamente o que parecem. Supostamente as escolas deveriam treinar heróis e vilões para viver as histórias que inspiram a humanidade, mas seus ensinamentos são fúteis e confusos. É aí que a produção se perde em seu próprio potencial. Sim, há um motivo para as escolas parecerem estar desalinhadas, o grande mistério que move a trama. Entretanto, explorar as hipocrisias e imposições dos ideais desses contos seria muito mais interessante.

E as boas ideias para tal estão ali. A "vocação de nascença" e matrícula compulsória dos alunos em uma escola ou outra, sem de fato levar em conta desejos e personalidade dos alunos. A crença em que devem seguir o caminho dos pais, mesmo que não levem jeito para tal. A ditadura das aparências e a determinação de que beleza é boa e a feiura é má. A afirmação equivocada de que uma pessoa é completamente boa ou má, não há meio termo. E, claro, as regras de contos de fadas, princesas devem sorrir, príncipes precisam salvar, o mal deve atacar, o bem defender, e a amizade entre dois lados é proibida. Mas o roteiro acaba se perdendo nas jornadas distintas das duas protagonistas, e deixando todos estes questionamentos apenas na superfície, enquanto foca em romances e ameaças grandiosas. 

Espectadores com mais bagagem vão certamente completar a mensagem. Nascimento não determina vocação ou destino, pessoas tem escolhas. Aparência não é parâmetro para nada. E as pessoas tem nuances, não são simplesmente uma coisa ou outra. Entretanto, o público mais experiente não é necessariamente o alvo dessa produção. O verdadeiro público pode se perder nessas mensagens incompletas, e as lições serem absorvidas de forma equivocada. Afinal, Sophie realmente é "enfeiada" pelo convívio com o mal. Enquanto Agatha, passa a atender aos padrões, e aí sim é considerada bonita. 

Vale ressaltar, ainda a incoerência do discurso de "o mal deve ser feio", quando diretora da escola é a sempre bela Charlize Theron. A cegueira dos tutores do lado do bem, para o comportamento estilo Meninas Malvadas, de seus alunos ao menos tem uma razão narrativa para tal. Razão fraca, mas tem. Já a insinuação da interferência maléfica nas histórias em que o bem triunfa (praticando crueldades, como nos contos originais dos Grimm) é genial. A vitória vem não por vencer a batalha, mas por corromper seu bondoso adversário. Gostaria de ver mais disso!

De volta à narrativa os caminhos acabam sendo previsíveis. As moças vão provar que estão nas escolas certas, desvendar o mistério e vencer um grande vilão, com vários momentos episódicos pelo caminho. Provavelmente herança do formato literário, que não encontrou um desenvolvimento mais fluido para a versão das telas.

Sophia Anne Caruso e Sofia Wylie fazem um trabalho razoável na construção de uma amizade de opostos, e na defesa de seus respectivos caminhos. Mas é o elenco adulto subaproveitado quem chama atenção. Charlize Theron, Kerry Washington, Laurence Fishburne e Michelle Yeoh, compõem o corpo docente da escola em participações especiais de luxo, tirando tudo o que podem de seus personagens unidimensionais. Enquanto a narração de Cate Blanchett completa o pacote estelar da produção.


Cenários constroem bem o universo, distinguindo com eficiente o vilarejo e as duas escolas. Já os figurinos apesar de deslumbrantes não exploram todo o potencial que poderiam ter. As roupas poderiam contar um pouco da história e personalidade dos muitos alunos de fundo, que são filhos de personagens de grandes histórias, mas mal temos tempo de decorar seus nomes. Ou ainda, explorar as diferentes épocas e culturas de onde estes personagens vieram, criando uma balburdia criativa de referências e reforçando a informação de que a instituição de ensino existe em uma dimensão além do tempo. O que temos são duas massas genéricas, uma de tons escuros, outra de tons pastéis.

Ainda sim, a jornada é divertida, tem um bom ritmo e produção caprichada. O que funciona para quem procura um entretenimento leve por algumas horas. E há espaço para continuações, que provavelmente virão. Particularmente, eu não me importaria em acompanhar uma sequencia, que explore um pouco mais da relação entre o elenco adulto. Especialmente das personagens de Theron e Washington.

A Escola do Bem e do Mal tem muito potencial, mas desperdiça seus muitos temas ao priorizar a jornada adolescente e romances açucarados. Ainda sim, é uma aventura que entretém bastante e vai agradar os leitores, e conquistar novos fãs. 

A Escola do Bem e do Mal (The School for Good and Evil)
2022 - EUA - 147min
Aventura, Fantasia

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