No Ritmo do Coração

O título que No Ritmo do Coração ganhou no Brasil, não chega nem perto de representar bem a obra que nomeia. O nome original CODA, sigla para Child Of Deaf Adults (filho de adultos surdos), é muito mais eficiente para descrever a condição de sua protagonista, determinante nos desafios que ela encara, e que que ouvintes, e surdos, sequer imaginam existir.

Ruby Rossi (Emilia Jones de Locke & Key) é a única filha ouvinte de uma família de surdos, e por isso acabou se transformando no elo de sua família com o mundo. Quando seu professor do coral, aponta que a garota tem chances de conseguir uma vaga em uma boa faculdade de música, ela passa a ficar divida entre seu futuro e sua família. 

A trama parece simples, a entrada em uma nova fase da vida, o abandono no ninho, conquistar independência, tentar abraçar obrigações demais e ficar abarrotado e dividido por isso, perseguir seus sonhos. São temas que já acompanhamos em muitas jornadas de amadurecimento no cinema. São as condições da protagonista que fazem a diferença aqui.

Ruby habita dois mundos distintos, mas não se sente pertencente em nenhum. A "diferente" de sua família, tem interesses e anseios que seus pais e irmão, não conseguem compreender, como seu interesse pela música. Já na escola, é excluída por pertencer a uma família diferente, e ter responsabilidades que os outros adolescentes não.

O conflito aqui parece ser decidir a qual grupo pertencer permanentemente. Enquanto para sua família é uma ferramenta crucial, é ela que, como interprete, torna viável o trabalho de pesca que os sustenta. Um novo caminho, que garantiria um lugar no mundo ouvinte se apresenta. O verdadeiro dilema aqui, é compreender que ela pode sim habitar os dois mundos. E que a responsabilidade por conciliá-los não deveria ser toda dela.

Afinal sua família também tem uma lição a aprender, coletiva e individualmente. A Mãe Jackie (Marlee Matlin, primeira atriz surda a ganhar um Oscar por Filhos do Silêncio em 1987), tem que aprender a respeitar os interesses da filha, compreendendo que deixar a garota ter interesses diferentes não vai afasta-la. O pai Frank (Troy Kotsur) precisa sair da zona de conforto para que seu trabalho possa de fato atender a sua família. O casal, precisa confiar e dar mais responsabilidade ao filho mais velho Leo (Daniel Durant). Este, por sua vez, precisa se impor e se tornar mais relevante na dinâmica familiar.

Juntos, os três precisam apoiar Ruby para além do que conhecem. Além de tornar-se menos dependente da garota, e mais abertos a convivência com pessoas ouvintes. Tarefa assustadora, já que o "mundo ouvinte" está pouco disposto a acomodar quem é diferente.Percepção que a produção nos transmite de forma simples e honesta. Sim, os Rossi estão acomodados em sua dependência da caçula, mas o mundo a sua volta (e a nossa)também. Completamente, confortável ao excluir diferenças. 

É apenas o arco do romance de Ruby que parece apagado em meio a tantos conflitos. Apesar de fazer parte da jornada de amadurecimento, o primeiro amor da garota parece apressado, e pouco relevante na jornada  principal. 

Emilia Jones brilha ao construir claramente as muitas camadas de Ruby. A garota tem vozes distintas conforme a jornada se desenrola. Desde a fala tímida de uma garota excluída na escola, passado voz mais determinada de quem precisou aprender cedo a se posicionar pelos pais,  o canto incerto de uma iniciante, a linguagem de sinais que é às vezes a única forma de expressar algo mais profundo, até o canto forte e apaixonado que une voz e gestos. São graduações bem construidas, gostosas de acompanhar, que deixam bem claro para nós, quem é esta garota. 

Outro que rouba a cena, é Troy Kotsur. Seu patriarca é divertido, meio relaxado, mas ao mesmo tempo comprometido com a família, e receoso de enfrentar novos desafios. 

Sem medo de explorar longos diálogos em linguagem de sinais, a diretora Siam Heder, utiliza o som, e a ausência dele, de forma inteligente. A trilha sonora, por exemplo, só se faz presente quando Ruby ativamente coloca música para tocar. Uma alegoria à ausência de som em sua vida familiar. 

No Ritmo do Coração não traz a trama mais inovadora e original. De fato o filme é inspirado (praticamente um remake) da produção francesa de 2015, A Família Bélier. É a simplicidade e honestidade com que a história é contada que faz a diferença. Trazer intérpretes realmente surdos para compor a família, coisa que o filme francês não tem, é provavelmente o fator determinante para que esta honestidade salte aos olhos. 

O resultado, é um filme doce, que nos faz nos relacionar facilmente com um mundo que não é o nosso. Transpondo a barreira do idioma, algumas vezes não há tradução direta para a linguagem de sinais, simplesmente porque não é preciso. Emociona com facilidade, e nos deixa com um sorriso no rosto ao final da sessão.

No Ritmo do Coração (CODA)
2022 - EUA - 111min
Drama

No Ritmo do Coração está disponível exclusivamente no Prime Video.

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