O Silêncio da Cidade Branca

Obras como O Silêncio dos Inocentes e Se7en - Os Sete Crimes Capitais são, sem dúvida, as maiores referências de O Silêncio da Cidade Branca, filme da Netflix que adapta o livro homônimo de Eva García Sáenz. Entretanto, são séries procedurais de crime, como os vários CSI, que vieram à minha mente ao longo da projeção.

Há vinte anos Assassino do Sono cometeu uma série de homicídios cheios de simbolismos, antes de ser identificado e preso. Agora, quando o culpado está prestes à sair da prisão, novos assassinatos com a mesma assinatura são realizados. Cabe ao detetive Unai (Javier Rey), descobrir se se trata de um imitador, ou se um inocente fora preso pelos crimes de duas décadas atrás. Para tal ele conta com a ajuda das detetives Alba (Belén Rueda) e Estíbaliz (Aura Garrido) e do próprio Assassino do Sono original (Alex Brendemühl).

Conversas com um assassino condenado para compreender outro, como em O Silêncio dos Inocentes, crimes cheios de simbolismos bíblicos como em Se7en, as referências são claras. Então porque será que pensei em séries de TV como CSI? Verossímeis ou não, essas séries que existem aos montes na TV, criaram uma versão bastante clara do passos de uma investigação, para uma força tarefa ficcional. A fórmula repetida à exaustão criou um padrão simples, de lógica razoável e nos acostumou com ele.

E aí que O Silêncio da Cidade Branca começa a perder em credibilidade. Os detetives não compartilham informações entre si, não discutem o caso, escolhem suas testemunhas aleatoriamente, ignoram pistas. À certa altura, um deles diz: "não podemos perder tempo revisando casos antigos". Sendo que teoricamente é o mesmo caso, e eles já desperdiçaram tempo e pistas aos montes à esse ponto, e os corpos se empilham. O trabalho desconexo da polícia é proposital, para colocar também os detetives entre os suspeitos. Mas acaba destruindo a suspensão de descrença do público, que não consegue evitar questionar os passos de Unai e companhia.

O caso em si, é realmente intrigante e com simbolismos suficientes para várias interpretações e desfechos. Assassinatos em pares, com vitimas cinco anos mais velhas à cada nova ação. Sempre um casal, deixado em um ponto histórico da Espanha, na mesma posição (ou quase, faltou atenção aqui, hein). Mas a investigação ora foca em alguns elementos dos crimes, ora os ignora completamente, empaca, dá saltos e deduz coisas aleatoriamente. Problema oriundo do roteiro, que aparentemente tenta transpor todos eventos do livro, mas não encontra tempo ou disposição para tanto.

Assim, a investigação divide atenção com muitas histórias, que deveriam influencia-la, mas apenas correm em paralelo sem tempo de serem bem exploradas. O trauma de Unai, seu relacionamento com Alba, o possível envolvimento de um ou outro personagem, a origem de determinado apelido, tudo compete com a trama principal, e muitas dos temas não são finalizados. Enquanto isso,o mistério de assassinato, tenta surpreender, mas se desenvolve de forma irregular e cheia de lacunas.

 A direção não entrega o básico do gênero, sem grandes estrepolias, a não ser por imagens bonitas das belas locações espanholas, e uma ou outra cena de perseguição inusitadas. A posição das câmeras e montagem das cenas, parecem mais preocupadas em exaltar o lugar em que a perseguição ocorre, do que a caçada de fato. O resultado são, perseguições à pé de alvos fora do campo de visão (como o perseguidor sabe pra onde o perseguido foi?), personagens que deviam interceptar outros, mas decidem não prestar atenção às portas, e policiais que sacam a arma indiscriminadamente, em momentos que não fazem sentido.

O elenco não consegue fugir do clichê , nos tipos conhecidos que a produção tenta emular, o veterano desesperançado com a vida, a parceira impulsiva, o condenado provocador, e por aí vai. Alguns funcionam melhor que outros, mas ninguém entrega nada memorável.

Talvez nas páginas O Silêncio da Cidade Branca seja thriller psicológico intrigante e que resolve bem todos os temas e símbolos que propõe. A versão para tela, esbanja potencial, mas se perde na execução. Tão preocupada em despistar e confundir o espectador, o filme confunde a si mesmo, e não entrega tudo que podia ou deveria. Resolver o mistério, responder perguntas, como qualquer série procedural de investigação faz de forma simples semanalmente.

O Silêncio da Cidade Branca (El silencio de la ciudad blanca)
2019 - Espanha - 110min
Suspense, crime





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