Supergirl - 4ª temporada

Além de divertidas, as séries de super-heróis da CW costumam trazer boas, atemporais e tradicionais mensagens. Não é surpresa termos temporadas focadas na família, amizade, companheirismo, aceitação das diferenças, redenção, perdão e amadurecimento. Supergirl, entretanto surpreendeu ao escolher uma temática ousada, complexa e atual para abraçar em seu quarto ano.

Diferente das outras séries do Arrowverse focadas em humanos, meta-humanos e até pessoas com poderes mágicos, a Terra de Kara (Melissa Benoist) mostra a convivência entre alienígenas e terráqueos desde seu segundo ano. O impacto do acolhimento de outras raças, e suas condições, sempre estiveram como pano de fundo, mas agora estas questões se tornam o foco da trama. A partir de uma fagulha de medo que acende o ódio por aquilo que é diferente. Os aliens passam a ser vistos como ameça, e grupos radicais se organizam contra ele desde movimentos via internet, passando por organização nas ruas, até alcançarem postos de poder.

Não é mera coincidência, a semelhança com a situação dos imigrantes nos Estados Unidos governados por Donald Trump. Ou mesmo o ódio e hostilidades injustificados com aqueles considerados diferentes. O programa está sim fazendo analogia, e consequentemente uma crítica direta, a um pensamento crescente da sociedade atual. É nessa coragem, que reside o maior mérito e surpresa do quarto ano da produção.

O bem apresentado Ben Lockwood (Sam Witwer, ameaçador) é a figura que representa esse cenário. Inicialmente um "homem de bem", ele tem perdas relacionadas às atitude de alienígenas, o que criam seu ódio por estes indivíduos. Este ódio vira ativismo, e posteriormente, ele se torna um símbolo capaz de inflamar o mesmo sentimento em terceiros, colocando cidadãos comuns como antagonistas dos ideais da protagonista. Criando uma temporada de dilemas completamente novos. Infelizmente, este curiosa e assertiva "vilania" da humanidade é amenizada, assim como o peso de Lockwood na reta final, quando o roteiro os coloca como fantoches de um plano maior. É nessa reviravolta, e nos múltiplos arcos paralelos que as coisas ficam complicadas.

É em Lex Luthor (Jon Cryer, incapaz de se desassociar de trabalhos anteriores como Two and a Half Man, e A Garota de Rosa Shocking) o responsável pela "fase odiosa" da humanidade. Seu plano inclui agentes infiltrados, super trajes, tecnologia inexplicável e até uma cópia da Supergirl, a Filha Vermelha. O que faz todo sentido como plano mirabolante do personagem, mas enfraquece a construção de Lockwood e companhia até aqui. Seria ainda mais contundente para a mensagem que a série pretende passar, deixar a cargo das pessoas comuns as responsabilidade por seus atos. Nada de manipulação por grandes vilões que surgem no último momento. A humanidade pode sim, ser equivocada, preconceituosa e cruel por conta própria. Além disso, como sua revelação é guardada como grande reviravolta para o final da temporada, seu desenvolvimento é mais corrido, que construção do empasse humanos versos aliens.

Quem realmente se beneficia com a presença de Lex, é Lena Luthor (Katie McGrath). A personagem tem uma dinâmica interessante com irmão. E os atos do vilão evoluem os dilemas de sua natureza ambígua e sua relação de amor e ódio com Kara/Supergirl.

Outra relação desenvolvida de forma interessante é a de Alex (Chyler Leigh) e Kara. Com a memória apagada por opção para proteger a identidade da irmã, a agente do DOE passa pelas consequências da perda de referencia que ajudaram a construir sua personalidade, e precisa criar uma relação com a agora estranha supergirl. Infelizmente, este arco deixa de lado, outra trama da personagem iniciada na temporada anterior, o desejo de adoção e os dilemas de ser mãe que trabalha sozinha. Fica a torcida para que o tema volte aos holofotes no quinto ano.

Nia (Nicole Maines), foi outra grata surpresa. Mulher trans, meio-alien, meio-humana a moça é a representação máxima do diferente que vira alvo na trama principal (e também no mundo real). Seu desenvolvimento inicialmente tímido, trata com naturalidade a transexualidade, enquanto foca na evolução da moça como heroína. Embora os poderes da Sonhadora sejam um tanto quanto confusos ao final da temporada. Há ainda tempo para a personagem desenvolver uma relação com Brainy (Jesse Rath), humanizando o personagem que até então era apenas caricato.

Um pouco à parte da "agitação" J'onn (David Harewood) segue sua jornada própria na tentativa de seguir os passos pacifistas de seu pai. Mas é James Olsen (Mehcad Brooks), quem continua perdido na trama. Se antes o fotógrafo tinha pouco o que fazer, agora ele é usado como recurso, o personagem que os roteiristas decidem usar, quando não querem comprometer os demais. Assim o moço, é baleado, desenvolve poderes, e até vira símbolo involuntário do movimento anti-alienígena. Este último um raro bom uso do personagem. Ainda sim, Jimmy parece estar sobrando a maior parte do tempo.

São tantas tramas paralelas e reviravoltas, que quase não falei da protagonista. Supergirl deixa de ser a heroína unanime, para alguém que divide opiniões, depois se transforma na inimiga número um. Então, é Kara quem precisa salvar o mundo, como jornalista em um cenário onde as "fake news" desmoralizam o trabalho de profissionais de verdade (analogias continuam). Desmascarar os vilões, frear as hostilidades entre espécies, proteger sua identidade secreta, lutar com alguém idêntica a ela, a moça enfrenta de tudo um pouco, e apenas em poucas ocasiões esmorece. Pode parecer irreal o otimismo e determinação da moça, mas perfeitamente condizente com o símbolo de esperança que ela e seu primo representam.

E por falar no Superman (Tyler Hoechlin), Kal-El aparece apenas nos episódios do crossover Elseworlds. Traz consigo a Lois (Elizabeth Tulloch) à tira colo, e uma explicação plausível para seu desaparecimento, mesmo quando seu arqui-inimigo foge da cadeia.

Supergirl ainda sofre com o formato de 22 episódios. Para ocupar tanto tempo de tela, precisa criar diversas tramas paralelas e nem sempre consegue dar a devida atenção à todas elas. Mas, é uma série bem consciente das  mensagens que é capaz de passar, e faz uso disso.

É protagonizada não por uma, mas várias mulheres fortes, com dilemas distintos e bem escolhidos. E vai além abraçando sem medo temas atuais complexos. Talvez seja o primeiro encontro de muitos de seus expectadores mirins com tais assuntos. Sim, crianças! Apesar da complexidade temática da trama, sua abordagem é simples e clara, e o tom é aquele bastante familiar: uma aventura de super-heróis mirabolante, colorida e divertida para toda a família.

Supergirl, é exibida no Brasil pela Warner, e suas Três primeiras temporadas estão disponíveis na Netflix.

P.S.: A quem interessar possa, a maquiagem e os efeitos especiais continuam limitados, caricatos e artificiais na maior parte do tempo, mas agora já é uma característica da produção.

Leia mais sobre Supergirl, ou continue no Arrowverse com Flash, Legends of Tomorrow.

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