Máquinas Mortais

A ficção parece estar convencida, logo enfrentaremos um evento que vai nos transformar em uma distopia pós-apocalíptica. Falta apenas decidir qual será o cenário no qual a humanidade viverá a partir daí. A proposta de Máquinas Mortais para tal é bastante curiosa, os sobreviventes vivem em cidades móveis que perseguem consomem umas as outras para sobreviver, no que eles chamam de Darwinismo Municipal.

O Arqueólogo Tom (Robert Sheehan) vive na gigantesca Londres, mas tem sua rotina alterada após "esbarrar" na misteriosa Hester Shaw (Hera Hilmar). A dupla é expulsa da cidade e precisa cooperar para sobreviver. É claro, há também uma ameaça que pode causar um novo apocalipse em seu caminho.

Baseado no livro homônimo Philip Reeve, o primeiro de uma tetralogia, Máquinas Mortais é também a estreia na direção de Christian Rivers. Artista de efeitos especiais que tem um Oscar de Efeitos Visuais (King Kong) e as trilogias da Terra Média (O Senhor dos Aneis e O Hobbit) no currículo. Não é surpresa que este aspecto não decepcione. Seu mundo steampunk pós-apocalíptico e um tanto quanto megalomaníaco é bastante convincente, tanto em construção quanto em efeitos. Isto é, se você comprou a ideia das cidades-tração. Não é difícil compreender como as estruturas funcionam e interagem, mesmo em sequencias de ação e com muito CGI.

É no roteiro que a produção decepciona, ao desperdiçar uma premissa original e um universo complexo dando preferência ao romance juvenil à exemplo de produções como Jogos Vorazes. Entretanto, diferente da saga de Katniss, que compõe bem seu universo e oferece temas para discussão ao espectador, esta aventura parece levantar questionamentos apenas por acidente. Deixando o público com dúvidas que atrapalham a imersão. Desde a Guerra dos Sessenta Minutos, que levou o mundo aquele status, passando pelas pessoas ressuscitadas(!) até a rixa entre as cidades móveis, e os assentamentos fixos - sim, eles existem municípios parados ali - tudo é apresentado com muita exposição, mas pouca construção.

O resultado é nos descobrirmos pensando nos prós e contras e na real necessidade de se manter sempre em movimento. Na incapacidade de gerar recursos próprios, de uma sociedade que pode curar ferimentos rapidamente, ou mesmo trazer pessoas de volta à vida. Ao invés de nos preocuparmos com a jornada de Hester e Tom.

A construção de mundo fraca e o excesso de exposição que não atende às necessidades da história, não são o único problema do roteiro. Este apresenta e descarta personagens quando conveniente, chega até a presumir que sabemos a importância deles, de acordo com a forma que são mostrados. Quem leu os livros provavelmente, ficou empolgado quando um grupo e pilotos liderados por Anna Fang (a cantora e atriz sul-coreana Jihae) surge de forma imponente. Eu só fiquei imaginando, ok, estes caras devem ser bons em alguma coisa, mas quem são eles mesmo?

O vilão Thaddeus Valentine (Hugo Weaving) tem potencial para ser um daqueles malfeitores de quem descordamos dos métodos, mas compreendemos os objetivos, como Thanos ou Killmonger. Mas logo é relegado ao objetivo desgastado de dominação mundial. Caem no cliché também, as viradas e revelações previsíveis da jornada. O arco do ressurrecto Shrike (Stephen Lang) tem boas surpresas, mas é enfraquecido pela falta de tempo, visual artificial do personagem e final sentimentalista. E por falar em sentimentos, a trilha segue a cartilha de indicar o que devemos sentir em cada cena.


Some tudo isso ao abuso de frases de efeito genéricas, e fica impossível acreditar que a adaptação foi escrita pela mesma equipe que nos entregou O Senhor dos Anéis, Peter Jackson, Fran Walsh e Phillippa Boyens. Existem inclusive, referências e recriações que exageram e que beiram a cópia descarada de características e sequencias de outras ficções-científicas como Mad Max e Star Wars. Enquanto o elenco com poucos nomes de peso visivelmente se esforça - a exceção é a inexpressiva Leila George - mas não tem muito o que fazer com seus personagens unidimensionais. A garota que não confia em ninguém, o herói relutante, a melhor piloto da frota, e por aí vai...

Os melhores momentos, são aqueles que mostram um pouco mais da "sociedade perdida", e da relação dos sobreviventes com ela. Nossa tecnologia, vista como antiga por eles, é adorada e colecionada, mesmo que não funcione, ou mesmo que eles não saibam usá-las. Isso abre margem para boas piadas e críticas coerentes à nossa "Sociedade das Telas", como eles chama o século XIX. Pena que o recurso é pouco explorado.

Tendo estreado em outras partes do mundo ainda em 2018 Máquinas Mortais, já está sendo apontado como o maior fracasso comercial do ano. Além de não conseguir transportar o sucesso do livro para as telas, a produção também não consegue gerar curiosidade pelo material original, que poderia suprir as faltas daqueles espectadores dispostos à leitura. O que diminuiria, mesmo que para alguns poucos, o sentimento de frustração relacionado  ao título.

Uma produção cara e tecnicamente bem executada, mas que opta por clichês e lugares comuns em seu roteiro. Desperdiça de uma premissa original, que com certeza criaria bons paralelos e discussões com o mundo de hoje, e por isso logo será esquecida.

Máquinas Mortais (Mortal Engines)
2018 - EUA - 128min
Ficção-científica, Aventura


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