A Pixar gosta de surpreender, isso é um fato. Uma das maiores surpresas foi demorar quatorze anos para trazer a continuação de seu sucesso mais "sequenciável". Os Incríveis (2004), terminava com a família de super-heróis mais bem sucedida dos cinemas, iniciando uma luta com o escavador. Gancho excelente que foi aproveitado nesta tardia sequencia, Os Incríveis 2 continua a história exatamente onde o filme anterior a deixou.
Após salvar o mundo do Síndrome e do escavador, era de se esperar que a opinião das pessoas quanto aos heróis melhorasse, certo? Errado, o grande público ainda é contra suas atividades e os estragos consequentes dela. Com o programa de proteção à super-heróis encerrado, sem casa (lembra que explodiu no longa anterior?) e sem emprego, a família Pera se encontra em apuros quando os irmãos Winston e Evelyn Deavor (respectivamente Bob Odenkirk e Catherine Keener no original, Otaviano Costa e Flávia Alessandra na versão dublada), aparecem com um plano para melhorar a imagem das pessoas com poderes. Assim, a Mulher elástica (Holly Hunter) é escalada para mostrar o ponto de vista daqueles que estão em ação, enquanto o Senhor Incrível (Craig T. Nelson) fica responsável por cuidar da família. É claro, um misterioso novo vilão aparece para colocar tudo em risco.
Sim, empoderamento feminino e inversões dos "tradicionais" papéis impostos pela sociedade patriarcal são os temas desta nova aventura da família Pera. Mostrando que o estúdio continua atento às discussões da sociedade atual. Helena precisa provar aos outros que é uma heroína tão eficiente quanto qualquer homem, ao mesmo tempo que precisa confiar que sua família pode sobreviver sem ela. Já Beto precisa superar a inveja por sua esposa ser considerada mais apta que ela, e descobrir que o trabalho de casa é tão difícil e digno quanto salvar o universo.
Desafios que conversam muito bem não apenas com temas atuais, mas com toda a simbologia criada em torno dos personagens. Da mulher que se estica para dar conta de tudo, ao pai de família que é sua maior proteção, a dupla precisa descobrir como utilizar seus dons, literais e metafóricos em novos contextos. As crianças também tentam encontrar seu lugar nesse novo contexto familiar, embora com arcos muito mais simples. Eles são meros complicadores para os desafios dos pais. Zezé, no entanto, rouba a cena com seus recém adquiridos poderes, e sua completa falta de controle e noção de perigo, afinal ele é um bebê.
Lúcio/Gelado (Samuel L. Jackson), e Edna Moda (Brad Bird), também estão de volta. Adorados pelo público ambos, são bem aproveitados pela trama, e ganham mais espaço. Assim como alguns heróis estreantes, o destaque aqui fica com Void (Sophia Bush). Mas não aparecem por tempo suficiente para satisfazer nossas curiosidades sobre eles. O gostinho de "quero mais" que a modista gerou em todos na primeira aventura continua presente.
E por falar em espaço de tela, este é um dos poucos complicadores do longa. Visivelmente pensado para dar mais protagonismo à Helena, o roteiro resiste à entregá-la a atenção completamente a ela, e deixar a trama de Beto correndo paralelamente de forma mais econômica. O resultado é uma divisão ao meio das atenções que quebra o ritmo e torna uma parte do filme um pouco mais lenta e narrativa. Nada que comprometa demais o projeto, principalmente porque já nos importamos o suficiente com os personagens, e por eles aceitamos embarcar neste ritmo oscilante.
Já a trama em si tem um problema mais complexo, ao não conseguir abandonar a fórmula de filmes do gênero e entregar uma história mais previsível. É provável que você desvende os mistérios logo na primeira metade da projeção. As motivações do vilão da vez, o Hipnotizador, não são tão genuínas, ou inquestionáveis quanto as de Síndrome. Embora seu modo de ação, hipnotizando pessoas através das telas, seja interessante, bem aplicado e traga um questionamento inusitado à ser levantado por um estúdio de cinema. Em um discurso, o malvado critica nosso vício diante as telas, e a preferência em assistir pessoas fazendo coisas extraordinárias, ao invés de viver coisas extraordinárias. Curiosamente, ou não, isso é basicamente tudo que a Disney nos oferece.
A qualidade da animação em si, faz jus as produções do estúdio, e aos quatorze anos de evolução tecnológica. O mundo dos Incríveis, é recheado de detalhes, texturas, micro expressões e gestos, criados com um cuidado e detalhismo de encher os olhos. De detalhes como as olheiras, e a barba por fazer de Beto, a tonalidade diferente do cabelo de Flexa quando molhado e às expressões de bebê de Zezé, aos uniformes estilizados dos heróis em harmonia com suas personalidades e poderes, tudo parece bem pensado e encaixado para entregar o melhor resultado possível.
Tudo isso, sem descaracterizar os traços que já conhecemos, seja dos personagens ou cenários, ou o estilo "futurista da década de 1960", da franquia. A época que continua representada pela trilha sonora de Michael Giacchino. É a mesma família e mundo que conhecemos em 2004, apenas com o visual mais rico em detalhes.
A qualidade continua nas cenas de ação independente do tamanho. Seja em um embate com um guaxinim, ou na batalha gigantesca do clímax, as lutas são bem coreografadas e compreensíveis. Acertam também no uso combinado de diferentes poderes, que já tínhamos visto em no primeiro filme, mas agora inclui mais heróis e mais habilidades distintas.
Mestre em fazer animações para toda a família, Os Incríveis 2 mantém esta quase mágica capacidade que o estúdio tem de fazer dois filmes em um. Existe aquele filme de supre-heróis colorido, dinâmico e divertido para os pequenos, e o longa de ação com boas críticas e questionamentos que só serão absorvidos pelos mais velhos. Ambos com soluções eficientes que nunca desrespeitam o intelecto do público.
O elenco de "famosos" da dublagem brasileira traz, além de Otaviano e Flávia Alessandra, as participações de Evaristo Costa e Raul Gil, bem dirigidos em personagens novos. Enquanto a maioria das vozes originais do primeiro longa, voltam a dar um sotaque, ritmo e piadas bem brasileiras para nossa versão da animação.
Mesmo com uma trama menos surpreendente e amarradinha, Os Incríveis 2 compensam os muitos anos de espera, e encarecidos pedidos para o retorno da super-família aos cinemas. Tecnicamente perfeito, divertido, inteligente, nos faz amar ainda mais a família Pera e companhia, e torcer para que a Pixar nos surpreenda novamente, e não demore tanto para trazer a próxima aventura incrível deles.
Os Incríveis 2 (The Incredibles 2)
2018 - EUA - 118min
Animação, Aventura
*P.S.: Vale mencionar, eles ainda se preocupam com identidades secretas, o que seus colegas de estúdio da franquia da Marvel desistiram faz tempo. Eu adoro identidades secretas!
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