Ficção Americana

Não, ainda não terminei com os filmes do Oscar! Apesar deste ano ter decidido não escrever sobre todos (mas tem vídeos lá no TikTok sobre todos!), não posso deixar de falar sobre Ficção Americana. Filme que chegou completamente sem alarde ao mercado brasileiro, diretamente no Prime Vídeo, depois de ter sido indicado a cinco Oscar. E levou a estatueta de Roteiro Adaptado para casa, surpreendendo e quebrando o bolão de muita gente!

O professor e escritor negro Thelonious "Monk" Ellison (Jeffrey Wright) fica irritado depois que um de seus trabalhos não foi aceito pelas editoras por não ser "negro o suficiente". Percebendo que o público só se interessa por histórias negras estereotipadas, ele escreve uma sátira super estereotipada sob o pseudônimo de um suposto procurado pela política. Mas ao invés de expor a hipocrisia do mundo editorial, a obra acaba sendo lida como verdade se transformando em um fenômeno.

O filme de estreia de Cord Jefferson é inteligente ao discutir a hipocrisia no meio intelectual e artístico. A discrepância entre a realidade e a "verdade que o público deseja consumir", e os estereótipos atrelados a isso. As diversas realidades e interesses dos negros, e a falsa diversidade abraçada pela mídia. Além do eterno embate entre a arte e o capitalismo. 

É verdade que existem muitas histórias de vida difícil, luta, e crimes nas comunidades negras estadunidenses. Mas a realidade negra americana vai além disso, e ouso dizer a brasileira também! Ou vai dizer que todo negro que você conhece, é passista de escola de samba, jogador de futebol, ou morador de favelas? Aqui, como lá, também há negros em outras realidades, mas o mercado, valoriza apenas uma vertente. De preferência exagerando suas características. 


Jefferson é inteligente ao associar a sátira e o drama pessoal do protagonista, exatamente para mostrar como Monk e sua família não se encaixam de forma alguma nestes estereótipos. Tendo vivências, interesses, problemas e desafios completamente diferentes. E nem por isso menores ou menos afro-americanos. 

O roteiro faz uso do humor de absurdo para apontar e criticar esse pré conceito do mercado cultural. Construindo boas piadas e situações. Uma pena apenas, que a trajetória pessoal do protagonista, que serve de contraponto para a visão que o mercado tem dos negros, se estende um pouco demais. Tirando espaço da crítica que realmente interessa, a crítica ao consumo cultural "da moda". 

 Jeffrey Wright carrega o filme com facilidade ao construir um homem estudado, sarcástico e pacato, que falha miseravelmente em se passar pelo estereótipo que compreende e escreve tão bem. O restante do elenco acompanha, fornecendo as bases para que o roteiro tire as melhores situações daquele contexto. Sterling K. Brown e John Ortiz, são os destaques, com personagens que melhor dialogam com o protagonista. Também estão em cena, Tracee Ellis Ross, Erika Alexander, Leslie Uggams, Adam Brody e Issa Rae.

Inteligente e inusitado, a estreia de Cord Jefferson na direção surpreende. Não é livre de falhas, mas eficiente o suficiente para fazer refletir enquanto diverte. Além de consciente da realidade que retrata, fazendo até mesmo uma autocrítica. É um excelente começo!

 Ficção Americana (American Fiction)
2022 - EUA - 117min
Comédia, Drama

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