Emilia Pérez

Geralmente, tento analisar os filmes pelo que vejo durante o tempo da projeção. Independente de histórias de bastidores ou de campanhas de divulgação. E posteriormente adiciono uma ou outra informação relevante ao resultado em minha análise. Mas, admito, está quase impossível fazer isso em relação à Emilia Pérez. Não apenas a rivalidade com Ainda Estou Aqui, nesta temporada de premiações. Mas pelas divulgação da forma como a obra fora criada. Mesmo assim, tentarei. 

A advogada negra altamente qualificada, mas explorada e apagada por seu chefe homem branco, Rita (Zoe Saldana) recebe uma proposta inusitada que pode mudar sua vida. Ajudar o chefe de cartel Manitas (Karla Sofía Gascón) à mudar de vida, forjando a própria morte, passando pela transição de gênero que sempre sonhou para se tornar a Emília Perez do título. Mas é claro, nada é tão simples, e a saudade da esposa Jessi (Selena Gomez) e filhos faz Emília sair das sombras, e até tentar amenizar o mal que fizera no mundo quando era Manitas. 

Uma premissa interessante, tratando de preconceito, autodescoberta, identidade, transexualidade, personalidade, relacionamentos interpessoais, violência doméstica, crime, castigo e redenção. Temas atuais que poderiam ser retratados em quase qualquer parte do planeta. Mas a produção escolheu o México, provavelmente para poder incluir na narrativa o problema de desaparecimentos massivos no país, como a causa que personagem título usa para tentar se redimir. É aí que começam os problemas. 

A escolha de um país e problema reais como meros cenários de fundo. Resultando em uma versão rasa, caricata, e no caso das vítimas dos desaparecimentos desrespeitosa. Agravado pela seleção de elenco, majoritariamente não Mexicano, tão pouco falante nativo de espanhol, idioma escolhido para contar essa história. E principalmente pelas falas do diretor e outros colaboradores. Impossíveis de ignorar, onde afirmam não encontrarem bons atores nativos, ausência de pesquisa quanto ao país retratado. E pior, que o México real não corresponde à visão, que o realizador tinha. 

Em outras palavras, Jacques Audiard, que é Francês, tinha um cenário criado por sua própria mente como cenário, mas ao invés de criar um país fictício para abriga-lo, resolveu atrelá-lo à um país real. Escancarando seus preconceitos, e desconhecimento, não apenas do México, mas do mundo a sua volta, e o que é aceitável nesse estágio da evolução ética da sociedade. Simplificando ainda mais, fico triste em dizer, ele foi arrogante. 

Mas talvez, pudéssemos relevar uma falha ou outra se o resultado trouxessem boas discussões e cenas. Mas o roteiro segue o lugar comum, com conflitos que poderiam ser facilmente resolvidos, se seus personagens agissem com a inteligência que o roteiro acredita que eles tem. Ou alguém discorda, que Emília só pensa em se revelar à Jessi, quando é tarde demais, e o roteiro já conseguiu o conflito que desejava. 

Além disso, a mensagem de mudança e redenção da protagonista é confusa. O roteiro prega uma mudança radical, ao ponto dela tentar remediar seus crimes com benfeitorias. Ao mesmo tempo, admite que Manitas sempre fora Emília, só não poderia aparecer e se expressar como tal. Ela apenas mudou de gênero, não de personalidade. E não era a prisão no "corpo errado" que a fazia ser criminosa, o que fica evidente quando os maus hábitos retornam na primeira oportunidade. Mas é o que o filme defende, e aclama até o final. 

Karla Sofía Gascón entrega uma atuação funcional, mas nada excepcional. Travada, e pouco expressiva, como Emília, enquanto nos poucos momentos como Manitas, parece demonstrar mais a suavidade, que deveria ter quando finalmente encontra sua verdadeira identidade. A protagonista parece nunca relaxar, estar sempre pronta a se provar como mulher, "posando" como tal. O que que seria interessante, se ela fosse questionada em algum momento, mas não é o caminho que o filme segue. E sua persona de bem feitora pública, nunca parece se encaixar no cotidiano em que se encontra. Agravado pela tentativa do diretor de filmá-la como uma "pessoa elevada" uma benfeitora que justifique sua canonização no desfecho. Destacando-a ainda mais dos demais, soando mais como uma intrusa, do que como uma santa. 

Zoe Saldana realmente se esforça para dar ver acidade às ações de Rita. Tornando-a a melhor coisa em cena. No entanto, as atitudes da personagem não a ajudam. Assim como os números musicais, que na tentativa de serem estilizados, e até são, apenas destoam do tom da narrativa. Beirando a vergonha alheia em alguns momentos.

E por falar na música do filme, as canções mais dialogadas que cantadas, não trazem boas letras. Versos óbvios, desinteressantes e que por vezes apenas repetem informações que já temos, ao invés de evoluir a trama, ou expressar sentimentos que não seriam tão bem expostos de outras formas. Difícil imaginar alguém ouvindo a trilha sonora isoladamente, enquanto dirige, faz outras tarefas, ou apenas para passar o tempo. 

De volta ao elenco, Selena Gomez é quem mais sofre com a necessidade de atuar em outro idioma, mesmo que sua personagem seja estadunidense, e por isso possa ter um espanhol mais fraco. Mais acostumada com comédia e temas mas leves, a atriz tem dificuldades de atrelar o idioma e a carga dramática que a trama pede. Por mais que se esforce, a moça se prova uma escalação equivocada. 

Tudo isso, faz com que Adriana Paz, única atriz mexicana em cena, se destaque com facilidade. Com fala e atuação mais fluida que suas colegas de cena, facilmente perceptível, mesmo com pouco tempo de tela. 

Sim, é extremamente difícil analisar Emilia Pérez sem considerar, os equívocos dos bastidores, uma vez que influenciaram fortemente no resultado. Com uma premissa ousada, a intenção era criar um filme disruptivo, e contestador nos temas e na forma. Mas o resultado é uma "revolução de fachada", que usa bandeiras e discussões cujos realizadores não apoiam de fato, para ganhar relevância. 

Funcionou por pouco tempo, fora aclamado em suas primeiras exibições em festivais, e até chegou às grandes premiações. Mas agora que mais pessoas puderam assistir e pensar o filme, ficou evidente que a obra é muito menos do que pretende ser. 

Emilia Pérez
2024 - França - 132min
Drama, Musical

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