Aqui

E se um viajante do tempo, pudesse colocar uma câmera de bateria e memórias eternas, imperceptível, em um ponto do planeta, para registrar aquele local por milênios? O que seria capturado? E quais momentos mereceriam nossa atenção? Aqui, novo filme de Robert Zemeckis, faz essa reflexão, em um experimento curioso e surpreendentemente envolvente. 

Assim, acompanhamos um um lugar específico no, agora, Estados Unidos, sempre a partir da mesma perspectiva. Como uma janela, na verdade uma câmera imóvel. Partindo dos tempos dos dinossauros, até os tempos atuais. Mas é claro, nem sempre há coisas empolgantes acontecendo naquele lugar específico, então a narrativa faz recortes, e nos situa nos momentos mais relevantes. 

Passamos rápido, pelo tempo dos dinossauros, a queda do meteoro, a era do gelo, a reestruturação da fauna e flora, e começamos a desacelerar, quando um assunto que de fato nos interessa, nós mesmos, os humanos, entram em cena, literalmente. O tempo em que passamos observando cada família que passa por lá, inevitavelmente proporcional, ao tempo em que eles habitam a locação, que à certa altura se torna uma residência literal, uma casa mesmo. Habitada por diferentes moradores, em diferentes períodos, início do século XX, anos 1930 e até a pandemia de Covid-19, sendo a família centrada do personagem de Tom Hanks, a que recebe atenção por residir no local, por mais de meio século. 

Ainda sim, mesmo as figuras que tem menos tempo de tela, tem seus pequenos arcos a serem acompanhados. Desde a vida dos nativos americanos, que tem o local apenas como ponto de passagem, até a família moderna que encara os traumas da pandemia. Histórias essas que vão gerar mais ou menos empatia de acordo, com o gosto do público. No meu caso, adorei acompanhar a família do aeronauta, os primeiros a comprar a casa. Já os residentes festeiros da década de 1930, não me interessaram tanto. 

De qualquer forma, é com a família centrada em Richard (Tom Hanks) e Margareth (Robin Wright) que teremos mais conexão. Já que com mais tempo de tela, são muitas as situações com as quais podemos nos identificar. Uma vida propositalmente comum, pais e filhos, namorados, gravidez indesejada, sonhos de casa própria, faculdade, doença perda, todas situações que qualquer família pode vir a enfrentar, e por isso de fácil identificação. 

O resultado é uma narrativa gostosa através dos tempos, e suas diferentes eras, tal qual Forrest Gump (e vale mencionar que Aqui reúne boa parte do elenco do filme de 1994). Mas em um escopo ao mesmo tempo maior, por abraçar milênios, e menor, por ficar preso a um único local. Mostrando a perspectiva de um ser imortal, assim como faz A Ghost Story - Sombras da Vida (1997), embora com a perspectiva mais limitada, já que no filme sobre o fantasma, o personagem e a câmera tem liberdade para circular pela casa. Uma pequena janela da grande história do mundo. 

E por falar em janelas, roteiro e montagem fazem uso constante delas. Recurso herdado dos quadrinhos de homônimos de Richard McGuire em que foram inspirados. Volta e meia, janelas e recortes se abrem na tela, mesclando e conectando diferentes eventos e épocas, temática ou visualmente, e criando uma narrativa não linear. Um efeito interessante que oferece à narrativa a dinâmica que a câmera parada não a deixa ter. Mas que pode oferecer um empecilho para quem depender de legendas para compreender os diálogos, já que é preciso estar atento a toda a tela em todo momento. Para quem não domina o inglês, é uma boa sugestão optar pela versão dublada.

Mas nem tudo são acertos em Aqui. E são os efeitos visuais, mais especificamente os de rejuvenescimento de Tom Hanks e Robin Wright e envelhecimento dos indígenas, o escorregão. A tecnologia usada aqui funciona razoavelmente bem, mas ainda não chegou em seu auge. Causando estranheza em muitos momentos, seja pelo efeito em si, que em alguns momentos lembra um filtro de rede social. Seja pelo fato de conhecermos os atores, de longa data e consequentemente suas aparências. Ou ainda pelo desencontro entre a idade das vozes. À certa altura temos um Hanks adolescente, com voz de sexagenário. 

Ainda sim, os efeitos visuais do filme em geral são eficientes, para criar diferentes eras como as dos dinossauros, ou mesmo o entorno, do ponto de interesse que muda conforme as eras. Acerto também da direção de arte e caracterização, que define bem as diferentes épocas sem que seja necessário explicar diretamente, quando cada recorte se passa. Acredito que tenha visto uma data em tela apenas uma vez, na virada de ano em 2003, quando uma TV no canto da cena anuncia a data. No restante do tempo, é a ambientação, e claro, os eventos que interferem na vida das famílias, pandemias, guerras entre outros, que nos conta o "quando" estamos, já que o "onde" nunca muda.  

Outro detalhe que incomoda, é a dificuldade de identificar personagens secundários quando há muita gente em cena, uma vez que não há closes, e nem todos são atores conhecidos. Problema que fica evidente quando crianças se tornam adultos, e famílias são maiores. Confunde um pouco, mas não chega a atrapalhar a história como um todo. Paul Bettany, Kelly Reilly e Michelle Dockery são os outros rostos conhecidos em cena. 

O diretor Robert Zemeckis, escolheu este filme, para reunir a equipe de Forrest Gump: O Contador de Histórias três décadas depois do clássico. Além de Hanks e Wright, estão de volta também, o escritor Eric Roth, o diretor de fotografia Don Burgess, o compositor Alan Silvestri, o designer de som Randy Thom e a figurinista Joanna Johnston. E não acho que a escolha seja por caso. 

Aqui também é um experimento de linguagem, não tão ousado, mas tão filosófico quanto a jornada de Forrest. Ambos são reflexões sobre a vida, e como passamos nosso tempo no planeta. Mas se o filme dos anos 90 nos levava para o mundo ao lado do protagonista, este deixa o mundo passar por nós, através do tempo. Sem eventos grandiosos, pode desagradar muita gente, mas para quem entender a proposta de nos tornar um observador imortal, e todas as reflexões vindas dessa condição, é uma obra muito gostosa de acompanhar.  

Aqui (Here)
2024 - EUA - 104min
Drama

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