Tecnicamente sabemos que para as muitas conquistas de espaço feminino na sociedade, sempre houve uma pioneira. Temos ciência, alguém foi a primeira! No entanto, nem sempre sabemos o nome dessa alguém. É aí que cinebiografias encontram seu papel mais interessante, o de apresentar essas figuras para gerações que já não conhecem mais seus nomes. Mesmo que para isso, seja preciso romantizar um pouco mais sua jornada.
Assim, o Disney+ entrega A Jovem e o Mar. História da primeira mulher a cruzar à nado o Canal da Mancha em 1926. Gertude "Trudy" Ederle (Daisy Ridley) era uma estadunidense descendente de alemães, considerada uma criança frágil, que precisou lutar para ter o direito de nadar, tanto por sua suposta fragilidade, quanto por ser mulher no início do século XX. Lutando contra o machismo da época, a incredulidade dos pais, e até a sabotagem por parte dos grandes nomes do esporte.
Sim, é verdade, Trudy provavelmente enfrentou barreiras, em especial contra o machismo. No entanto a muitos dos eventos do longa, baseado no livro de Glenn Stout, foram reimaginados para dar mais impacto ao seu principal feito. O fracasso nas olimpíadas de Paris de 1924 por exemplo, é um deles. A moça não ganhou quatro ouros, como desejado pela comissão esportiva americana, mas também não saiu de mãos abanando. Levou para casa um ouro e dois bronze.
Também não há como ter certeza de restrições à equipe feminina nos treinos. Ou ainda, sabotagem de treinadores e outros homens à favor da 'pureza do esporte masculino". Embora eu não duvide que casos como esses ocorrido, e sido relevados pelo machismo estrutural da época. Ederle e outras pioneiras, certamente enfrentaram todo tipo de desafio, desestímulo e descrença. A produção apenas cria situações mais pontuais e diretas para tornar os empecilhos mais claros para o público.
Escolha acertada, já que o resultado é uma jornada empolgante de desafios e superação graduais. Da pirraça para conseguir permissão do pai para aprender à nadar, da estratégia para tentar a travessia da forma mais justa possível, é impossível não torcer por Trudy. Em parte pelo roteiro amarradinho, ainda que extremamente previsível, em parte por sua intérprete.
Daisy Ridley equilibra entusiasmo da juventude, determinação e carisma para construir uma protagonista admirável, mesmo nos momentos de desesperança. Trudy quase soa cansativa de tão enérgica, mas a enorme descrença à sua volta exige essa autoconfiança maior da protagonista.
De volta ao roteiro, considerando que as mudanças não são erros históricos, mas licenças poéticas propositais. A falha fica por conta da artificialidade de alguns momentos, como quando jornalistas escrevem em seus blocos, ou fazem uma ligação telefônica, como se fossem narradores esportivos exaltando os feitos da moça. E no maniqueísmo da construção de alguns personagens, necessários para atender ao roteiro tradicional e formuláico.
Por outro lado, há um motivo para que essa formúlas e previsibilidades existam e perdurem. Elas funcionam! E não há nada de errado, com o lugar comum quando bem executado. A Jovem e o Mar é um desses casos, o "arroz com feijão" bem feito. Não surpreende, mas alimenta, e nesse caso, até nos empolga.
Uma produção caprichada, com reconstrução de época bem feita, completam o pacote. Enquanto o único outro grande nome no elenco é o de Christopher Eccleston, que dá vida ao machista, invejoso e fracassado técnico Jabez Wolffe. Lembra que mencionei maniqueísmo? Pois é o técnico é uma caricatura que adoramos odiar. Uma pena, que a sequencia de seu fracasso é curta.
A Jovem e o Mar não é um documentário sobre a travessia do Canal da Mancha por Trudy Ederle. E nem pretendia ser. Mas é uma dramatização empolgante, de um grande feito de uma personagem real, que merece ter seu nome relembrado de tempos em tempos. Em outras palavras, não foi bem assim que aconteceu, mas Trudy ainda foi pioneira, e o filme é um bom ponto de partida para conhecermos sua história.A Jovem e o Mar (Young Woman and the Sea)
2024 - EUA/Reino Unido - 129min
Biografia, Drama
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