Apesar de ter sido concebido como um romance vencedor do Pulitzer por Alice Walker em 1982, é através da adaptação para o cinema de Steven Spilberg de 1985 que a maioria das pessoas conhece a história de A Cor Púrpura. Uma história triste e pesada, daquelas de exaurir o espírito, ainda que o desfecho seja positivo. Em 2005 uma adaptação do livro para a Broadway trouxe música para o desenrolar do drama, e agora essa versão chegou aos cinemas (sim, o filme é um musical, embora tenha virado moda esconder esse detalhe na divulgação), para o grande público finalmente descobrir o efeito das canções nessa trama.
Aos 14 anos Celie (Fantasia Barrino e Phylicia Pearl Mpasi na versão mais jovem) já havia engravidado duas vezes do próprio pai, quando é obrigada a casar com Mister (Colman Domingo). Um homem igualmente cruel que a trata como escrava e objeto, além de afastá-la da única pessoa com quem tem uma conexão, a irmã Nettie (Halle Bailey,Ciara).
Assim acompanhamos décadas da vida de Celie, com pessoas e eventos passando por ela, enquanto a protagonista tenta apenas sobreviver, até descobrir a força interna que precisa para se libertar. Tudo isso no racista sul dos Estados Unidos na primeira metade do século XX.
Racismo, machismo, patriarcado, discriminação racial e de gênero, abuso físico, psicológico e seuxal são os principais temas abordados por A Cor Púrpura. Assim como a luta para sobreviver à tudo isso. Mas enquanto a batalha inspira sim canções épicas, motivadoras e otimistas, os temas mais pesados não conversam bem com a cantoria e coreografias. Mesmo se apoiando nos gêneros Spiritual e Gospel, e suas raízes em luta e aclamação respectivamente.
Talvez para o estadunidense, acostumado com esses gêneros, a junção de temas pesados e música funcione melhor. Entretanto para ouvidos brasileiros, a união esvazia essas discussões. Tirando o peso dos eventos, e consequentemente o sofrimento da protagonista. E ter o filme de Spilberg como base para uma inevitável comparação torna esta fraqueza da produção ainda mais evidente.
Outro problema do roteiro, é a forma redundante como as músicas são incluídas no desenrolar da trama. Em um musical, as canções devem ajudar a história a se movimentar, mas aqui elas apenas repetem e reforçam falas e eventos imediatamente anteriores a elas. O problema não são as canções em si, mas a introdução redundante dada a elas. Primeiro o personagem nos conta o que sente, para depois cantar esse sentimento. Nos contar antes, era completamente desnecessário.
Dito isso, as canções são belas (embora nenhuma extremamente marcante), e interpretadas com perfeição pelo elenco. Assim como os números em que são apresentadas são bem construídos e coreografados. Apesar da redundância, é difícil ficar entediado diante do espetáculo musical que se desenrola em tela.
Direção de arte e figurino acompanham o tom das músicas, mais iluminado e colorido, que arrasado e pobre como o recorte histórico sugere. Seguindo a tendência de amenizar o sofrimento, em prol do espetáculo. Que é arrematada por uma redenção e aceitação no desfecho difícil de engolir, mas propositalmente criada para construir uma "grande comunhão" da comunidade negra cristã ao final do filme. Reunindo todo o elenco em um grande número gospel.
Como bom cinéfilos que somos, vamos comparar as duas adaptações da história para o cinema, isso é inevitável. O que é preciso ter em mente, é o propósito das duas versões. Estes são bem distintos. Enquanto o filme de Spilberg é mais dramático, este que nasceu nos palcos pretende ser mais leve e dinâmico. Se isso vai agradar ou não depende do freguês.
A Cor Púrpura (The Color Purple)
2023 - EUA - 141min
Musical, Drama
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