Saltburn

Fiquei triste ao assistir Saltburn e me pegar imaginando que se Downton Abbey chegasse aos anos 2000, talvez seria assim que a família Crawley estaria. Entretanto Saltburn é mais cínico, explícito e raso, nas criticas sociais que a aclamada série britânica. Apostando no choque para chamar atenção, ao mesmo tempo que não aproveita todas as oportunidades que seu argumento oferece. 

Oliver Quick (Barry Keoghan) é um introvertido e solitário bolsista na Universidade de Oxford, que depois de um ato de generosidade com Felix Catton (Jacob Elordi) é colocado sob a asa do rapaz rico. Sendo inserido em seu clubinho aristocrático, até ser convidado à passar o verão em Saltburn, gigantesca propriedade da família há gerações. Aos poucos essa amizade supostamente inocente e desinteressada, escalona para uma relação obsessiva e cheia de momentos propositalmente estranhos e incômodos. Culminando em um desfecho que se acredita mais surpreendente do que realmente é.

Roterizado e dirigido por Emerald Fennell (Bela Vingança) o filme parece confuso sobre quais críticas deseja fazer, e por isso acaba não se aprofundando em nenhuma delas. Se por um lado critica a aristocracia que vê pessoas apenas como empregados ou objetos, sem ter sequer a compreensão das atitudes preconceituosas que comete, por outro traz o contraponto da pessoa humilde não para um comparativo ou catarse, mas para um comentário completamente oposto.

Spoilerfóbicos fiquem cientes, alguns detalhes mencionados a baixo podem ser considerado spoilers. Embora eu evite mencionar eventos e situações diretamente. Se preferir, assista o filme primeiro, depois continue a leitura!

Barry não tem a função de criticar, alterar, ou mesmo se vingar do sistema que coloca a família Catton acima dos demais. Ele é apenas um parasita ambicioso, que deseja tudo para si, a qualquer custo. Logo, Fennell quer criticar a ostentação, e elitismo da aristocracia, mas também vê aqueles de fora dela, como interesseiros e sanguessugas, que se aproveitam da ingenuidade e orgulho que a bolha da riqueza imbuiu naquelas pessoas. Não apenas na figura de Oliver, mas também do primo Farleigh (Archie Madekwe) e da "Pobrezinha da Pâmela" (sim, a personagem de Carey Mulligan é identificada dessa forma "Poor Dear Pamela"). Ambos aproveitam dos privilégios do convívio com essa família, ao mesmo tempo que são descartados como brinquedos dos quais a criança mimada enjoou. 

A falta de profundidade, e a indecisão sobre que abordagem tomar quando o roteiro tenta fazer um comentário sobre racismo, mas falha miseravelmente. Ao tratar o assunto com um par de olhares com segundas intenções e um diálogo curto. De fato, Farleigh, o primo negro, pobre e americano da família, é descartado e resgatado pelo roteiro, com tanta frequência quanto a família Catton o trata na trama. Seu desaparecimento no desfecho, por exemplo, não condiz com a postura contestadora e protetora que ele apresentara até ali.

E por falar no desfecho, este é ao mesmo tempo extremamente didático e apressado. Dispensando tempo para explicar detalhes que o espectador já deduzira por conta própria, e correndo para apresentar a cartada final. Quanto tempo se passou? Em algum momento Oliver duvidou do sucesso de seu plano? Tentou outros caminhos? Não houve nenhuma resistência interna ou externa quanto a aproximação do rapaz com Elspeth (Rosamund Pike)? São muitas questões resolvida as pressas, o que vai de encontro com a calma com que a trama fora desenvolvida até aquele ponto. 

É o elenco extremamente eficiente quem nos faz seguir até o fim se maiores frustrações. Keoghan entrega tudo e mais um pouco, independente do quão bizarro ou fundo seu personagem precisa ir. Outro destaque é Rosamund Pike entregando de forma afiada os melhores diálogos do filme. O elenco ainda conta com o sempre eficaz Richard E. Grant como patriarca da família. 

Outro ponto forte é a estética, que traz ao mesmo tempo uma Saltburn luxuosa e empertigada. Dentro da casa tudo é grandioso, mas também antiquado e escuro, refletindo o sistema ultrapassado e mofado que aquela propriedade representa. Do lado de fora, é tudo amplo, isolado e saturado, mostrando o quão distante, alienado e desgastante é aquele universo. 

O que somado à escatologia e nudez, cria um ambiente desgastante e desconfortável para quem assiste também. Desafiando o público a tolerar esse bizarro mundo. Não surpreendentemente Saltburn é uma daquelas obras ame-ou-odeie. Dependendo da capacidade do espectador de abraçar o desagradável. 

Menos complexo e rico do que poderia ser, Saltburn aposta no choque e nas críticas óbvias para contar sua história. Pode até surpreender os desavisados, mas para quem tem alguma bagagem, vai soar à quem de sua proposta. Memorável apenas pelas cenas propositalmente chocantes, ainda que despropositadas (algumas realmente são!). Marcante mais pela forma, que pelo conteúdo!

Saltburn
2023 - EUA/Reino Unido - 131min
Drama, Suspense

Saltburn foi lançado diretamente no Prime Video!

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