Intruso

Algumas produções demandam perseverança e paciência, em troca de uma satisfatória recompensa que só chega nos minutos finais. Esse é o caso de Intruso, que chegou ao Brasil direto no Prime Vídeo. Então, fica o conselho, mesmo que o filme pareça monótono, não desista! É tudo de propósito. 

O ano é 2065, e a Terra caminhou para a distopia causada crise climática que prevemos hoje em dia. O casal Hen (Saoirse Ronan) e Junior (Paul Mescal) tem uma vida monótona em uma decadente fazenda de família quando, é abordado por Terrance (Aaron Pierre), com uma proposta que pode mudar suas vidas. 

É difícil falar mais sobre esse filme sem dar spoilers que estragam a experiência. Baseado no livro homônimo de Iain Reid, a obra discute o casamento em condições incomuns. Da desgastada monotonia cotidiana em um mundo devastado, às esperanças de uma paixão ainda fresca.

Tudo isso, enquanto acompanhamos a apreensão pela eminencia de uma separação forçada. O que em outra ambientação seria uma convocação para alguma guerra, aqui é um chamado para o trabalho no espaço. Incluindo um viés futurista e tecnológico, que inclui a existência de seres projetados e Inteligência Artificial que também interferem nas relações humanas. Além de dilemas, conflitos e confidências, que acontecem apenas entre quatro paredes. O diretor Garth Davis nos leva para dentro da intimidade de um casal, que enfrenta o mundo em condições extremas, e um intruso em seu núcleo familiar.

O elenco enxuto, conta com uma excelente dinâmica entre Saoirse Ronan, Paul Mescal e Aaron Pierre. O trio consegue manter a ambiguidade nas ações de seus personagens, sem deixá-las óbvias demais. Nos surpreendendo com as diferentes possibilidades de cada ato apenas quando o roteiro decide ser o momento. 

Roteiro este que inicialmente parece confuso e arrastado, mas na verdade está construindo um cenário que fará todo sentido em retrospecto. Trata-se de um daqueles filmes para rever, com novos olhos após a descoberta do desfecho, como O Sexto Sentido. Mas calma, não tem ninguém morto por aqui, a surpresa é outra. 

Já a bem construida ambientação de um mundo em crise climática, construida pela direção de arte, figurino e maquiagem, nos angustia pela proximidade com a realidade. 2065 é logo ali, e os eventos climáticos extremos que estamos presenciando, podem muito bem nos levar àquele cenário devastado e sem vida, onde pessoas cresceram sem nunca presenciar uma chuva, e nenhum alimento é produzido de forma natural.

 É a fotografia o elo mais fraco dessa construção de mundo. Na intenção de reforçar a desesperança desse mundo, a falta de recursos como eletricidade, e a limitação de nosso conhecimento diante da história, a iluminação é limitada. Em outras palavras, o filme é escuro, mesmo em cenas externas diurnas e amplas. Cenas em ambientes internos são um desafio para qualquer TV comum. 

Algumas produções pensadas para o cinema, ainda não estão conscientes que parte da audiência, vai assistir em casa, em todo tipo de dispositivo eletrônico, em condições diversas. E não ajustam suas escolhas a essas possibilidades. No Brasil por exemplo o filme não passará nos cinemas, local onde a escuridão da fotografia não seria problema. Por hora, aconselho escurecer a sala o máximo possível ao assistir. 

Transposta a dificuldade técnica,  Intruso é um suspense de ficção científica instigante, eficiente e recompensador para aqueles dispostos a encarar o desafio. Coisa que talvez não funcione na era do imediatismos das redes sociais, mas afirmo, vale à pena se esforçar pelo prêmio no final. 

Intruso (Foe)
2023 - EUA - 110min
Suspense, Drama, Ficção científica 

 

Eu poderia terminar esta resenha no parágrafo acima, mas atendendo a quem veio aqui pela reviravolta, prossiga por sua conta e risco. Para falar mais preciso dar spoilers...

A tal proposta que Terrance traz ao casal consiste em enviar Junior ao espaço, para uma temporada de trabalho que salvaria a fazenda. E ao mesmo tempo, deixar para trás um substituto. Um ser biológico projetado para ter a mesma aparência e personalidade do marido, para fazer companhia à esposa nesse período.

A surpresa é que a proposta oferecida ao casal e apresentada à nós logo no início do filme, já está em andamento desde o início. O casal já aceitara, e o marido que vemos já é o substituto, e consequentemente o intruso do título. A preparação imposta por Terrance é na verdade o registro da evolução do experimento deste ser artificial. Enquanto as conversas entre ele e a esposa na verdade se referem ao relacionamento anterior, com o Junior original, que está em missão.   

Quando o marido original finalmente retorna, todo o cenário é ressignificado, não apenas para o espectador que vai querer repensar todos os diálogos vistos até então, mas para o casal. Já que o marido artificial, resgatou a paixão que Hen sentira originalmente por Júnior. Sem o desgaste do cotidiano, e da desesperança de um mundo condenado. Como sempre acontece na ficção, a experiência ignorou o fator humano dos envolvidos, enquanto focava em dados.

Assim como o intruso do título não é Terrance, mas o Junior artificial, a situação extrema em que o observamos a identidade do casal, não é o mundo distópico, mas o afastamento forçado, e a inserção da tecnologia como substituto. Qualquer relação com nossa atual dependência de telas e outras tecnologias, e como elas interferem em nossas relações pessoais, não é mera coincidência. É reflexão!

Intruso está disponível no Prime Video!

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