Admito, pelo título eu nunca assistiria Toda Luz Que Não Podemos Ver. Provavelmente já esbarrei, e passei reto, pelo romance homônimo, vencedor do Pulitzer de Anthony Doerr que inspirou a obra. Felizmente, o elenco chamou minha atenção para a minissérie da Netflix, que apesar do título com cara de autoajuda religiosa, é uma obra criativa e emocionante.
Marie-Laure (Aria Mia Loberti) é uma garota cega que faz transmissões ilegais de rádio em plena ocupação nazista na França. Werner (Louis Hofmann, de Dark) é o oficial responsável por identificar e rastrear essas transmissões clandestinas. Duas almas solitárias em um mundo devastado pela guerra, que encontram uma conexão sem sequer se conhecer.
Desobediência às ordens, resistência ativa, a proteção de artefatos valiosos e a busca obsessiva por eles, o constante medo da perda, e por fim a simples sobrevivência. Não faltam elementos para incrementar essa história, que de tão rica virou uma minissérie e não um filme como planejado. E mesmo assim ainda deixou muitos elementos do livro de fora.
Toda Luz Que Não Podemos Ver foca em Marie e Werner, mas também dá vislumbres de outras vidas afetadas pelo conflito, e suas distintas reações a ele. Desde as destemidas e insuspeitas senhoras da resistência, passando pelo tio com stress pós-traumático que precisa viver uma segunda guerra mundial, o pai dedicado à filha e ao trabalho até um doente terminal desesperado pela vida. Perspectivas abordadas de forma mais sucinta (provavelmente são mais aprofundadas no livro), mas que compõe com eficiência o mosaico que constrói os últimos dias de guerra da cidadezinha de Saint-Malo.
Já sobre os protagonistas, flasbacks bem situados nos mostram os caminhos que os levaram até aquele momento. Esclarecendo suas escolhas, motivações e atitudes. E reforçando nossa conexão com eles, e a relação entre os dois, ainda que de fato não se conheçam.
Com ajuda de figurino e design de produção impecáveis, o diretor Shawn Levy consegue construir uma atmosfera insalubre, decadente, mas onde a esperança ainda persevera, como a tal luz que não podemos ver. A situação de Saint-Malo e seus moradores, parece uma causa perdida a primeira vista, mas para quem souber olhar (o que não tem nada a ver com enxergar) a cidadezinha cercada por muralhas e nazistas ainda resiste.Já o elenco que me chamou atenção e me levou à minissérie, conta com bons trabalhos de Mark Ruffalo e Hugh Laurie. Mas o destaque mesmo é para a estreante Aria Mia Loberti, deficiente visual de verdade, a moça transmite com honestidade os dilemas de alguém que está sem saída, mas se recusa a desistir. Louis Hofmann também se destaca, mais pelo grande espaço de seu personagem, do que por sua atuação, que é eficiente, mas não excepcional.
Tentei não revelar muitos detalhes da trama neste texto, pois ficar ansioso, e descobrir o que acontece gradualmente é parte crucial da experiência. E o roteiro desenvolve muito bem esta construção gradual que nos envolve e nos faz torcer pelos protagonistas. Basta saber que Marie é alvo dos nazistas por ser resistência, e Werner, apesar de suas ordens, não pretende entregar a moça, que conhece apenas pela voz.
Reforçando a máxima que não se deve julgar o livro pela capa, ou nesse caso pelo título, Toda Luz Que Não Podemos Ver, é muito mais do que promete. Tal qual sugere seu poético título, há mais por trás da premissa do que aquilo que está claramente visível. Uma história rica, tocante e bem construída. Vale não apenas a maratona, mas a busca pela versão das páginas também.
Toda Luz Que Não Podemos Ver é uma minissérie de quatro episódios, cada um com cerca de uma hora cada. Todos disponíveis na Netflix.
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