Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

Algo de muito curioso aconteceu coma adaptação de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes para a tela grande. Já que pela primeira vez um estúdio tinha a chance perfeita de fazer dois filmes (leia-se lucrar em dobro), mas optou por entregar um só. Isso porque esta nova visita a Panem parece trazer dois filmes distintos em um só. Se para o bem ou para o mal, fica ao gosto do espectador. 

Coriolanus Snow (Tom Blyth) ainda está longe de ser o Presitente Snow que conhecemos durante a jornada de Katniss. Mais de sessenta anos antes, ele é um estudante falido de família de renome que vê nos estudos a chance de mudar de vida. E na concorrência para ganhar uma famosa bolsa, recebe a tarefa de mentorar um tributo na décima edição dos Jogos Vorazes, a obstinada Lucy Gray (Rachel Zegler) do Distrito 12. Uma cantora impetuosa, que vai fazê-lo reavaliar a realidade em que vive.

Mas não é tão simples assim. Não é apenas uma história de mestre e aprendiz, já que Coriolanus, precisa lidar com a  política da Capital, ainda muito marcada pela recente revolução que criou o atual sistema de classes. Além de praticamente "criar" o marketing midiático em torno da sangrenta competição e lidar não apenas com concorrentes, mas com o poderoso reitor Highbottom (Peter Dinklage) e a "showrunner"/cientista maluca Dr. Volumnia Gaul (Viola Davis).  

E este é e longe o aspecto mais interessante de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. Observar a origem crua da competição título, nascida como uma mera punição, e o início de sua transformação no espetáculo que acompanhamos com Katniss. Já que a necessidade aumentar o interesse do público, para justificar a existência dos jogos, e manter o controle sobre os derrotados que ele oferece, é o que coloca o protagonista nesse desafio. 

Assim como assistimos a evolução do BBB na TV, de uma mera casa com estranhos, para uma competição cheia de desafios, castigos e prêmios. Acompanhamos as "necessidades" que levaram a criação de desafios, a inclusão de vantagens e desvantagens na disputa, bem como a construção de uma imagem vendável em torno dos tributos. Dando um vislumbre bem claro, de como o insalubre zoológico em que eles são exibidos aqui, se tornou o desfile épico em que eles são apresentados no futuro. Ainda é a mesma exploração, mas agora comercialmente trabalhada. 

A primeira metade do filme, que cobre todo esse processo é, certamente, a  melhor construida e trabalhada. Francis Lawrence que dirigiu os três últimos filmes da franquia, conhece bem o universo da competição, e o ritmo que ele precisa para nos manter engajados. É na segunda parte da trama, que lida com as consequenciais as escolhas de Snow durante a competição, que a produção se perde. Não apenas  destoando, mas entregando um trabalho inferior ao entregue na primeira metade da obra.

A evolução dos eventos é corrida, o que faz com que as mudanças de comportamento dos personagem soem repentinas e sem motivo. Não há tempo para a evolução e desenvolvimento de seus arcos. Snow por exemplo, ora pende para um lado da disputa, ora para outro, sem nunca entendermos exatamente o porquê. Ou mesmo a natureza de sua confusão, se este se encontra com coração e mente divididos. 

Detalhes que provavelmente, o livro tem mais espaço e capacidade de explorar do que "meio filme". É aí que a tal divisão em dois que mencionei no início desse texto se faria necessária. Ao invés de uma filme de quase três horas, dois de duração regular seriam mais eficientes. Enquanto a primeira parte de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, facilmente se justificaria como um filme próprio. A segunda se beneficiaria de tempo extra. Para explorar a bagagem, sentimentos e objetivos não apenas do protagonista como daqueles que o cercam, como Sejanus Plinth (Josh Andrés Rivera). O "amigo" do protagonista aqui soa apenas como um idealista mimado e descolado da realidade, ainda que seu interprete se esforce bastante. 

E por falar nas atuações Tom Blyth carrega o filme com facilidade, sem se deixar ofuscar pelos excelentes veteranos em cena. Peter Dinklage entrega sua eficiência de constume ao interpretar personagens astutos e de lingua afiada. Enquanto Viola Davis assusta com uma persona excêntrica, marcante e maléfica. Quase um Willy Wonka do mal. Já Rachel Zegler acerta ao entregar o ímpeto e a cantoria de Lucy Gray, mas sofre para conquistar nossa empatia. Talvez reflexo da antipatia que a atriz tem gerado no público fora das telas.

Fazendo juz ao título, a produção conta com muitas canções. Algumas muito bem encaixadas, como aquelas usadas durante os jogos para manipular o sentimento do público. Já outras soam deslocadas, e desnecessárias à história, soando como mera obrigatoriedade. Estão no livro, precisam estar no filme!

O mesmo vale para as referências à própria franquia. Se por um lado é delicioso ver as origens de algumas características dos jogos que vimos nos outros filmes. Por outro soa meio forçado quando Snow reage excessivamente ao conhecer a planta chamada Katniss. Como se ele, assim como nós, tivesse assistido o próprio futuro. 

Direção de arte e figurinos acertam ao criar uma "outra época" no mesmo universo. Uma época recém saída da guerra, menos tecnológica, ainda mais devastada, mas que já começa a evoluir para o estilo que veremos no futuro.

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes te conquista com facilidade, mas se perde em sua metade final, entregando um desfecho aquém do que poderia. O que não tem nada a ver com o destino em aberto de uma personagem. Manter essa incógnita é uma excelente escolha! Agrada os fãs literários, mas quem veio apenas dos filmes, e principalmente quem começar por este, ficará com algumas dúvidas pelo caminho. 

Seria essa uma estratégia para vender mais livros? Pois sim, fiquei com vontade de ler, para pegar os detalhes perdidos. Mas ainda acredito que ainda mais lucrativo seria dividir o filme em dois, transformar a segunda parte em um trama mais denso e bem trabalhado. Por hora, me divirto com a deliciosa primeira metade!

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes)
2023 - EUA - 157min
Ação / Drama / Ficção científica

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