Assim como Ellie é a promessa de acabar com o domínio do Cordyceps no planeta, The Last of Us era a promessa de acabar com a maldição de transpor videogames para a dramaturgia. Ok, o fato do jogo investir bastante na narrativa, e de The Walking Dead ter preparado tanto o público quanto os produtores para os altos e baixos desse tipo de história ajudaram bastante. Mesmo assim, os méritos da adaptação da HBO para o jogo é inegável.
Há duas décadas uma epidemia de um fungo que transforma as pessoas em zumbis monstros desolou o mundo. Há duas décadas Joel (Pedro Pascal) se isola como forma de lidar com o luto pela filha. Até que este homem, fechado, solitário, e mal-humorado, recebe a missão de levar para fora da zona de quarentena a jovem Ellie (Bella Ramsey), adolescente inteligente e desbocada, que é imune a infecção e, por isso, pode abrigar a cura para a humanidade.
Como de costume, uma boa história sobre, zumbis, monstros, aliens e afins, raramente é sobre essas criaturas. Elas são apenas o pano de fundo, que vai levar as pessoas e suas relações ao extremo. Aqui, acompanhamos a relação entre Joel e Ellie, que vai da indiferença ao genuino amor entre pai e filha, ao longo dessa jornada. Proposta que não é exatamente uma novidade, o próprio Pedro Pascal vive jornada semelhante com Grogu em The Mandalorian. São os desafios e a personalidade única dos personagens estudados que diferem as muitas histórias do tipo.
E a química de opostos entre o calado, amargurado e cansado Joel, e uma Ellie falante, deslumbrada e encantada com o mundo que vê pela primeira vez, que tornam The Last of Us o que é. Hora então de falar da excelente atuação de Pascal e Ramsey, que nos engaja até nos momentos mais simples, com a sua conexão acertadíssima. Certamente assistiríamos horas só desses dois, andando por ai. Mas a série tem uma história para contar e tem pressa de fazê-lo.
Assim, o roteiro deixa a cargo do público imaginar os entremeios enquanto salta de um evento importante a outro nessa longa viagem. Ao mesmo tempo que se permite parar em alguns momentos para estudar seus personagens, resultado nos excelentes episódios três e sete. O sétimo, Left Behind, se dedica a estudar melhor Ellie, fornecendo a ela a bagagem que Joel trazia desde o início, e nos fazendo entender melhor suas escolhas e visão de mundo.
Já terceiro Long, Long Time, deixa os protagonista de lado, mas mostrar como pode ser a vida no apocalipse, e onde as pessoas encontram propósito em meio ao fim do mundo. No caso, uma nas outras. Nada de carreiras e grandes feitos, quando o mundo acabar o amor ainda é o maior propósito e essa informação reflete bastante na relação dos protagonista.
Mesmo assim, haverão aqueles que dirão que as calculadas pausas são despropositadas, e atrapalham a trama principal. Outros dirão que os saltos entre um evento importante e outro, soam apressados e atrapalham o desenvolvimento da dupla principal. Curiosamente estas são as mesmas pessoas, que reclamavam da falta de peso, quando personagens secundários mal desenvolvidos de The Walking Dead morria. Ou ainda, que a série de zumbis se arrastava como os mortos-vivos, e demorava a evoluir. A essas pessoas eu pergunto com sinceridade: afinal, o que querem?
Ah! Mas para que comprar tanto com The Walking Dead? É outro programa! - a série estrelada por Rick e companhia, certamente serviu de impulso para trazer a trama de The Last of Us para a TV. Adaptar jogo ainda é uma aposta arriscada. Além de servir de exemplo de erros e acertos, para a nova série. O resultado é uma jornada mais equilibrada. Veloz sim, mas que não deixa de construir bem os personagens que apresenta, da mesma forma que não perde tempo. Um bom exemplo é a comunidade do resort e seu perverso líder David (Scott Shepherd), explorada de forma eficiente em apenas um episódio. Quanto tempo mesmo levamos para ver o Negan?
O que nos leva aos temas que a série resolve abordar. Desde a costumeira busca por sobrevivência, trazendo o pior e o melhor da humanidade. Passando pela discussão de limites: nessa nova ordem mundial o que é aceitável fazer para sobreviver e proteger os seus? E claro, amadurecimento, descoberta de mundo, o encontro de uma razão para continuar.
Nenhum talvez seja tão interessante e original, no entanto quanto a questão: quem você é nesse novo mundo? Para nós e para Ellie, Joel é o herói, mas e para as pessoas do resort que ficaram desamparadas após a passagem da dupla? Ou ainda e para a humanidade, após a decisão final no personagem? Você pode ser muitas coisas, herói para alguns, vilão para outros, ou até mero coadjuvante, tudo depende do ponto de vista. Tema complexo, que ao que tudo indica a serie deve explorar mais em sua segunda temporada.
Tecnicamente, a qualidade é aquela que bem conhecemos da HBO. Direção e fotografia acertadas, que mudam de tom, de acordo com a necessidade de cada episódios, e reforça interpretações e mensagens não ditas. Locações de tirar o fôlego, construção de mundo impecável e bons monstros. Embora destes últimos tenhamos visto bem pouco, provando meu argumento, não é uma série de infectados afinal.
Heranças do jogo, a "ciência" por trás do fungo, inspirado por uma versão real que infecta insetos, é coerente, e mais explorada do que eu esperava. Enquanto os gamers que esperavam bastante, devem se deliciar com referências e participações dos atores originais na produção. Easter eggs pensados para eles!
The Last of Us tinha tudo para se perder, como outras adaptações de games que focam na ação e a megalomania. Ciente que é impossível emular a sensação de estar no controle dos personagens que o jogo oferece, a produção pega outro caminho. Nos insere na sua narrativa através da conexão com Joel e Ellie, que aqui são tão carismáticos quanto seus excelentes interpretes. O resultado é uma história sobre pessoas, que traz tanto momentos delicados, como viscerais. Nos deixando quase sempre desolados ou sem fôlego a cada fim de episódio. A não ser pelo último que nos deixa atônitos, e ansiosos por mais!
The Last of Us tem nove episódios, todos disponíveis na HBO Max!
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