Triângulo da Tristeza

Em nossa sociedade capitalista atual, o dinheiro, ou mesmo a aparência de tê-lo, concede privilégios inimagináveis independente de caráter, esforço ou habilidades de seus beneficiados. E isso não é novidade. Mas o falso discurso de merecimento, por vezes nos faz esquecer o verdadeiro valor individual, bem como a humanidade inerente a ser um ser humano. São essas falsas fachadas que o diretor e roteirista Ruben Östlund pretende derrubar ao longo de Triângulo da Tristeza.

Revelação de inúmeras hipocrisias que já começa com apresentação do casal que nos conduz ao longo da trama. Carl e Yaya (Harris Dickinson e Charlbi Dean) não fazem exatamente parte da classe monetária de absurdamente ricos que o diretor explora aqui. Entretanto, sua beleza padronizada, e a aparência de luxo e riqueza, abre portas para que ambos frequentem os mesmos locais que os ultra privilegiados. Mesmo que seu privilégio seja passageiro. Vale apontar, ele é um modelo que já esteve no auge, mas agora volta à audições comuns. Ela uma influencer, que vive de presentes condicionados ao seu engajamento, logo, obcecada por postar uma vida que viralize ainda que irreal. E o diretor já aproveita para criticar o mundo da moda e fama, antes de partir para a trama principal.

Carl e Yaya embarcam em um cruzeiro de luxo, com uma gama de tipos que representam toda a podridão da classe que esbanja riqueza através do trabalho dos outros. Um cruzeiro exclusivo, onde os mimos para os passageiros é tão grande, que os funcionários são proibidos de dizer não à um deles. Aliás vale notar, entre os funcionários também há uma hierarquia, os brancos que falam inglês e interagem com os hospedes, estão um nível acima literalmente (já que são relegados aos porões), dos personagens filipinos destinados a fazer o verdadeiro trabalho sujo.

 
Neste segundo ato, acompanhamos os caprichos e absurdos desse grupo, antes de vê-los cair por terra ao longo de uma agoniante cena de um jantar de gala em plena tempestade. Entre o balançar do navio, as estranhas comidas chiques, e a tentativa de "manter a classe", a realidade fica óbvia: somos todos humanos. Todos suscetíveis à necessidades mais escatológicas de nossa biologia. Em outras palavras, não importa o quanto os endinheirados se fazem de superiores, ao final do dia perdem a compostura diante de uma diarreia ou crise de vômito como qualquer um. Ou até pior já que, agem como bebês que não sabem o que fazer diante da situação e precisam ser pajeados.

Toda escatologia e tempestade que deixam até o público enjoado do lado de cá da tela, culminam no terceiro e último ato. Onde alguns sobreviventes do navio vão parar em uma ilha remota e deserta. A condição de náufragos finalmente revela suas verdadeiras qualidades e habilidades. De que servem um modelo ou um oligarca em um cenário de sobrevivência? A pirâmide se inverte e as pessoas descobrem o verdadeiro valor que a sociedade lhes devia atribuir.

De camareira Abigail (Dolly De Leon), se torna líder, já que é a única capaz de prover o sustento do grupo. E a moça aproveita todos os benefícios de sua nova posição, assim como seus superiores faziam quando os papéis eram invertidos. É o diretor dando um gostinho de vingança à classe trabalhadora através da personagem. 

Como pode notar nos parágrafos anteriores, o longa traz uma enorme quantidade de observações e críticas a sociedade capitalista e padronizada em que vivemos. O problema pode ser a forma como o diretor escolhe fazer isso. Com um excesso de verborragia que finge ser sofisticado, para falar o óbvio. O prolongamento e repetições desnecessários de cenas e situações. E por vezes omitindo sequencias, que seriam mais interessantes do que algumas que ele escolheu manter. Essas escolhas vão agradar alguns, e incomodar outros. A mim desagradou, o resultado é um filmes mais longo e cansativo que o necessário, e que apesar da longa duração explora apenas o óbvio de suas discussões. 

Bom talvez seja o óbvio para nós, classe trabalhadora. Se os ultra privilegiados do mundo real forem como os mostrados aqui, talvez eles precisem dessa obviedade e repetição. E mesmo assim, talvez não alcancem a autocrítica. Principalmente pelo final abrupto, e nada conclusivo para aqueles que não se dispõem a uma reflexão posterior.

O elenco é um dos pontos altos da produção. À começar por Harris Dickinson e Charlbi Dean, o casal que nos conduz, que consegue extrair o mínimo de empatia para com figuras tão desagradáveis. Woody Harrelson está muito bem como Capitão de um mundo de luxo no qual não se encaixa. Entretanto é Dolly De Leon quem realmente brilha, a camareira líder é apresentada apenas no terceiro ato do filme, mas não precisa de esforço para conquistar seu espaço.

Gostando ou não Ruben Östlund é bem ciente da história que pretende contar, das críticas que deseja fazer e da forma como quer fazer isso. Basta ver o bom uso de planos holandeses, para criar toda atmosfera enjoativa do navio, antes mesmo da escatologia se apresentar. Boas escolhas como esta, se repetem ao longo de todo o filme.

Triângulo da Tristeza não foi um filme que posso afirmar ter gostado de ver. Mas não posso dizer que é um filme ruim. É um excelente exemplo de obra que pretende questionar e causar incômodos, físicos e filosóficos. A sátira é um tapa na cara da sociedade e sua "meritocracia". 

Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)
2022 - Suécia/EUA/ReinoUnido - 147min
Comédia, Drama

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