Nada de Novo no Front

De filmes sobre guerras o cinema está cheio! No entanto, são raras as obras contadas pelo ponto de vista do perdedor. Afinal, são os vitoriosos que contam as histórias. Este é um dos grandes diferenciais de Nada de Novo no Front, filme da Netflix que adapta o livro homônimo de Erich M. Remarque sobre a Primeira Guerra Mundial. O outro diferencial é a forma como o diretor Edward Berger consegue nos fazer presenciar o terror do conflito.

Hora de contextualizar, o livro de Remarque em 1929, quando as memórias da guerra ainda estavam frescas, e suas consequências em curso. O autor alemão mostra o horror do conflito não apenas do lado perdedor, mas o considerado causador da guerra (até os dias de hoje) e por isso retratado sem misericórdia por outros países. Lembrando a todos, que soldados são os mesmos, independente do lado do campo que estejam.

Assim acompanhamos Paul (Felix Kammerer, bastante expressivo) e seus amigos entrarem animados na guerra. Imbuídos (ou seria enganados?) pelo espírito do patriotismo e a busca pela glória. E logo nos primeiros minutos no front, vemos a realidade recair sobre suas mente inocentes. A percepção da realidade das trincheiras aparece subitamente, com a certeza de que cometeram um erro sem volta. E a partir daí acompanhamos a perda do ânimo, saúde, esperança, sanidade e, claro, da vida de muitos deles. 

Reparou que mencionei o nome apenas de Paul? Isso porquê, mal aprendemos os nomes de seus amigos, ou dos colegas de batalha. Berger não se preocupa em apresentar apropriadamente nenhum deles. À exceção do protagonista, de quem acompanhamos o ponto de vista (mas nunca a história pregressa) só sabemos que são jovens, iludidos por uma pesada campanha nacionalista, somada à "bravura" obrigatória de uma sociedade machista. A intenção do diretor é mostrar para o público como suas vidas são descartáveis, transformando-os em meros números, plaquinhas de identificação ou uniformes reutilizáveis. 

Condição descartável cruelmente reforçada pelo outro ponto de vista desta trama. Matthias Erzberger (Daniel Brühl sempre eficiente), deputado alemão escolhido para negociar a paz, tenta conseguir um acordo com os franceses. Estes do alto de sua posição confortável não tem pressa alguma em terminar o conflitos e poupar vidas. Tal como o orgulhoso General Friedrichs (Devid Striesow), que confortavelmente instalado reclama da escassez de conflitos em anos anteriores, deixando claro o tão pouco ele vivenciou de um verdadeiro campo de batalha. O que torna sua escolha de mandar soldados para o front até o último segundo ainda mais cruel. 

A guerra é cruel, e não há vencedores. Embora aqueles que instauram, arquitetam e administram o conflito, estejam sempre em vantagem sob os combatentes, seja de qual lado for. A mensagem de Nada de Novo no Front é bem clara, e política. E eu concordo plenamente com ela. Já a forma como essa mensagem é passada tem momentos questionáveis.

Com fotografia e técnica impecáveis, Berger parece se deliciar um pouco mais que o necessário com a violência do conflito. Criando "belas" sequencias de carnificina, e beirando a espetacularização da mesma guerra que ele deseja criticar. Efeito talvez causado pela falta de conexão com os combatentes necessária para retratá-los como os números que mencionei antes. Se não nos apegamos a ninguém também não podemos acompanhar a história por seus traumas e conflitos, restando apenas a violência para causar impacto.

Por outro lado, os poucos momentos de respiro e felicidade que esses homens encontram soam mais cruéis e deprimentes para o público. São nesses momentos que eles quase se reconectam com a humanidade que pouco a pouco estão perdendo, e fazem planos que nós sabemos serem mera ilusão. Mesmo que sobrevivam essas pessoas vão retornar para um país devastado por anos de guerra.

Completando o combo aflitivo, a trilha sonora seca, na maior parte do tempo aposta em apenas três ameaçadoras notas. Criando uma constante sensação de alerta, quase como uma sirene tocando, que avisa: o inimigo, e a morte, estão logo ali!

Caso houvesse alguma dúvida após quase cem anos de retratações no cinema, a guerra é suja, feia, insalubre, sem esperança ou vitoriosos. Especialmente se você está no combate. E não importa se do lado vencedor ou perdedor, culpado ou inocente, fazer parte dessa massa que os líderes usam para travar batalhas que ninguém entende, vai te matar. Se não no front, fora dele cruel e lentamente, até que você se torne uma sombra de quem um dia fora. É essa mensagem bastante conhecida, mas ainda ignorada por muitos, que Nada de Novo no Front vem visceralmente reforçar.

 Nada de Novo no Front (Im Westen nichts Neues)
2022 - Alemanha - 148min
Drama, Guerra

Nada de Novo no Front está disponível na Netflix

Post a Comment

أحدث أقدم