Wandinha - 1ª temporada

Como Tim Burton e A Família Addams nunca se encontraram antes? Essa é a primeira coisa que nos vem em mente antes mesmo de assistirmos Wandinha. Afinal, todo o estilo do diretor conversa muito com a família mais adoravelmente macabra da cultura pop. O surpreendente, no entanto, é descobrir que apesar de nascer de uma combinação bastante óbvia e familiar, a série da Netflix consegue definir sua personalidade em meio à expectativas e referências.

Wandinha (Jenna Ortega) não se encaixa nas escolas comuns, após várias expulsões seus pais decidem colocá-la em Nunca Mais (Nevermore, no original). Escola especializada em excluídos, habitada por lobisomens, sereias, metamorfos e outros jovens com habilidades especiais. Acompanhada por Mãozinha, a adolescente até pretende fugir, mas logo uma série de assassinatos, atiça sua curiosidade, e desvendar o mistério que envolve monstros, passa a ser sua nova obsessão. 

É a primeira vez que acompanhamos um membro dos Addams praticamente sozinho no mundo. Também é a primeira vez que encontramos uma versão mais velha da primogênita de Gomez e Mortícia (Luis Guzmán e Catherine Zeta-Jones). Ver Wandinha navegar por conta própria no mundo, com todas as suas particularidades que vão de encontro até com os excluídos da escola, já seria um prato cheio. A inclusão de um mistério a ser desvendado, a adição de poderes à protagonista, ela tem visões, ajudam a construir um quadro ainda mais instigante. Mesmo que você desvende o mistério um pouco antes.

Sim, desvendar o mistério junto com os personagens é parte da diversão. E o roteiro de Wandinha proporciona isso acertando em cheio na construção do mistério. Fornecendo pistas gradualmente, algumas para ajudar outras para confundir, levando ao expetador a cria hipóteses, apontar suspeitos e tentar adivinhar e suas motivações. 

Paralelo ao mistério de assassinato, uma revelação relacionada ao passado de Gomez e Mortícia cria um desvio que expande a narrativa. Material extra que para alguns pode soar desnecessário, mas funciona tanto para trabalhar a relação da garota com os pais, quanto para dar mais tempo de tela ao resto da família. Mas não se engane, essa série é da Wandinha, e o foco é a adolescente. 

Jenna Ortega carrega a série com muito carisma, mesmo por baixo da falta de expressão da protagonista. Com olhos arregalados, expressão congelada e movimentos contidos, a atriz consegue transmitir a determinação, receios e até um pouco de confusão da personagem diante de sentimentos e relações que ela não entende. E toda a evolução que a mudança forçada exige que a personagem encare, tanto na relação familiar, quanto com o mundo ao seu redor. Outro que surpreende pela grande expressividade com poucos recursos é Victor Dorobantu, que não apenas se comunica bem, mas nos faz temer e preocupar com apenas uma mão. 

As presenças das sempre competentes Gwendoline Christie e Christina Ricci, são um deleite. É entre os alunos de Nunca Mais, que a série demonstra pouca personalidade. À exceção da colega de quarto Enid (Emma Myers), criada para ser o oposto visual e de personalidade da protagonista, todos são meio genéricos. Mesmo os interesses amorosos da protagonista são bastante parecidos. A sereia Bianca (Joy Sunday), ameaça algum desenvolvimento, mas isso deve ficar para a segunda temporada.

E por falar em desenvolvimento, além de trabalhar o assassinato, a série também explora temas variados. Autodescoberta, sanidade, maturidade, mudança, rancor, amizade e claro, romance adolescente, estão entre os temas pincelados aqui. Mas é o preconceito o mais evidente, explorado pela rixa eterna entre os excluídos de Nunca Mais e os "padrões" da cidade onde a escola está situada. A boa e velha dificuldade de aceitar o diferente, e a facilidade em demonizá-lo. 

Surpreendentemente, no visual a série não se prende ao estilo conhecido, e um tanto já desgastado, de Tim Burton, nem à versões anteriores da Família Addams. É claro, o macabro e sombrio estão presentes, bem como o visual conhecido dos personagens, mas o tom da série é mais fantasioso e aventuresco que sinistro. O que não significa que as piadas com relação a visão de mundo particular da família, muitas delas mórbidas,  não estejam presentes. Elas apenas ganharam mais camadas e contrastes.

Também estão presentes referências obrigatórias em obras de cultura pop hoje em dia. Aqui, elas vão de Edgar Alan Poe à versões anteriores da própria franquia. Efeitos práticos interessantes, como os que dão vida à Mãozinha, CGI de design propositalmente caricato, como o escolhido para os monstros, e figurinos criativos completam o pacote. 

À primeira vista Wandinha é uma típica série "High School" estadunidense, com um mistério a ser desvendando pelos jovens estudantes. Mas a personalidade e carisma da personagem título, e sua visão de mundo peculiar, criam o diferencial que a produção precisava. O que combinado à uma produção impecável e um roteiro bem produzido, criam uma das melhores séries juvenis do ano. Quem diria, que o encontro meio óbvio de Tim Burton com os Addams, criaria algo tão novo e criativo?

Wandinha tem oito episódios com cerca de uma hora cada, todos já disponíveis na Netflix.

Leia as críticas de A Família Addams e A Família Addms 2: Pé na Estrada.

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