Elvis

É curioso o fato de que a melhor e a pior coisa que acontecem na vida de uma pessoa podem, frequentemente ser exatamente a mesma coisa. Este é o recorte que Baz Luhrmann dá à sua cinebiografia de Elvis Presley. Cerceando todo o impacto na cultura, mídia e na vida do astro em torno da pessoa que o ajudou a se tornar um ícone, mas que também o enterrou literal e metaforicamente.

Acompanhando décadas da vida de Elvis (Austin Butler), através de sua relação com seu agente Tom Parker (Tom Hanks) o longa cobre praticamente toda a carreira do cantor sem muita preocupação com a fidelidade, mas sim com o impacto que ele gerou na sociedade. E principalmente o impacto que a sociedade, seu sucesso e a relação abusiva com Parker gerou na pessoa por trás do performer. 

Elvis é desde o princípio apresentado quase como uma entidade. Basta ver como o filme, que é narrado pelo ponto de vista de Parker, rodeia e demora a de fato mostrar o protagonista. Quando finalmente o vemos claramente, já no palco fazendo sua mágica, a sensação que temos é de descobrir um fenômeno, junto com o personagem de Hanks e com a sociedade retratada no filme. 

Esta forma quase mitológica com que Presley é retratado nos palcos, evidencia ainda mais sua humanidade quando fora dos holofotes. Tornando seus dilemas ainda mais relacionáveis para o público, mesmo que o personagem título não seja o narrador desta história. 

Em por falar no narrador, o filme deixa claro, Parker não é um interlocutor dos mais confiáveis. Tanto contradizendo visualmente sua versão da história, quanto no caráter duvidoso que é conferido ao personagem desde o início. Hanks, auxiliado por um excelente trabalho de maquiagem, entrega um personagem propositalmente exagerado e caricato, o que pode incomodar alguns, mas condiz com a posição quase vilanesca em que o roteiro situa o agente. E, ainda torna mais impactantes os momentos em que o personagem age de forma mais contida. É quase possível ver as engrenagens no cérebro de Parker funcionando, conforme ele pesca oportunidade, faz planos e os recalcula de acordo com a necessidade.

Mas é Austin Butler a quem o filme pertence. Com uma tarefa no mínimo difícil, encarnar não apenas uma figura pública altamente conhecida, mas amada por todo o planeta. O jovem não entrega apenas um trabalho de recriação de trejeitos, mas incorpora a aura deste ícone. Dos impulsos e energia de sua vibrante juventude, à depressão de seus anos derradeiros, o ator consegue fazer a distinção tanto das diferentes fases na vida do cantor. E dentro destas incorporar as diferentes personas, do fenômeno que dominava os palcos, à pessoa comum dos bastidores, mostrando uma compreensão impressionante da pessoa Elvis Presley.

A maquiagem não é apenas eficiente em transformar Tom Hanks na curiosa figura de Tom Parker, mas também em mostrar o envelhecimento gradual de Elvis. Sem grandes exageros, e em conjunto com a performance corporal de Buttler, é possível distinguir as diferentes fases do cantor, sem que estas surjam de alterações bruscas, as mudanças são fluidas e graduais ao longo da projeção. É claro, o figurino também tem papel importante neste amadurecimento e evolução do personagem.

Quanto a música, esta também não está presa à cronologia ou fidelidade. Aparecendo conforme o momento pede para combinar com o que Elvis pretende transmitir. Afinal, esta biografia deixa bem claro, é o palco o lugar que o personagem domina, onde tem voz, onde é o Rei! 

Outra característica marcante deste musical, é a admissão do quanto a cultura negra influenciou o sucesso de Elvis. Não, ele não foi o primeiro a cantar e dançar daquela forma. Ele só foi o primeiro branco a fazer isso, e realmente amava este tipo de música. Novamente tomando muitas licenças poéticas, o filme traz ícones da música negra para interagir com o protagonista, lhes dando voz e muitas de suas músicas. Abordando levemente a uma discussão que talvez não fosse feita na época, mas agora é amplamente abordada, a apropriação cultural. E, como bônus, ainda reforçando o choque cultural para que foi um homem branco dançando como os negros, no ainda segregado e conservador Estados Unidos. 

Além de olhar para as origens da música de seu protagonista, o longa também olha para sua influência. Baz Luhrmann que sempre incorpora contemporaneidade em seus longas, inclui interpretes de hoje na trilha sonora. Sem medo de anacronismos e infidelidade.  

E este desapego à cronologia e fidelidade, apesar de fornecer um ritmo excelente às cerca de duas horas e meia de projeção e engrandecer os conflitos, pode ser visto como um ponto fraco por alguns. Aqueles que pouco conhecem a carreira do cantor podem ficar perdidos. Especialmente com personagens que entram e saem na vida do protagonista sem que tenhamos tempo de aprender seus nomes. Já aqueles que buscam uma biografia mais didática, provavelmente vão se decepcionar. Vários aspectos da vida do astro, como seus romances. ficam de fora. Outros, como sua carreira cinematográfica, são retratados apenas levemente. Destrinchar a vida do artista, como se fosse um check-list de datas nunca foi o objetivo do longa. 

Mais que contar sua história Elvis, pretende fazer um mergulho à alma de seu retratado. Estudando o personagem tanto por sua grandeza, quanto por sua humanidade. Bem como critica com maestria a indústria do entretenimento que explora, aprisiona e consequentemente apaga suas maiores estrelas, e as figuras ambiciosas que faturam com isso. Mostra o melhor e o pior de sua vida, com a mesma intensidade que Elvis entregava nos palcos. 

Elvis 
2022 - EUA - 160min
Biografia, Drama, Musical

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