Não Olhe Para Cima

Sátiras e paródias são exageros da vida real, para ressaltar os absurdos e criticar a sociedade, através do humor. Dito isso, Não Olhe Para Cima da Netflix deveria ser uma dessas exorbitâncias, mas para nós brasileiros, chega a ser difícil rir destes supostos absurdos, já que nossa realidade parece ter se transformado na sátira em si. 

 Dois astrônomos descobrem um cometa viajando em direção a Terra, que deve colidir com nosso planeta em cerca de seis meses. A dupla tenta trazer essa informação a público, mas precisa lidar com o negacionismo do governo, e o circo midiático que se forma em torno da situação, atrapalhando quaisquer medidas para evitar a catástrofe. 

Oficialmente a crítica é ao governo Trump, a mídia e comportamento estadunidense, e seu argumento fora pensado antes da pandemia de Covid-19. Entretanto é impossível não criar paralelos fortes com toda a situação do Brasil nos últimos dois anos. Do governo negacionista, passando pela suavização de alguns veículos tradicionais, e até a histeria criada nas redes sociais. A semelhança é tanto que o sentimento de desconforto atrapalha qualquer humor que poderíamos aproveitar dali. Não tem graça, quando a desgraça é tão real.

Quem também causa desconforto é a montagem, que no intuito de se fazer dinâmica e conversar com vários pontos de vista da situação. Inclui inserções de redes sociais, quase de forma aleatória. O resultado é confuso e caricato, mas chama atenção que pretende. 

Na mídia tradicional, os personagens de Kate Blanchet e Tyler Perry, representam a mídia que não necessariamente negam o problema, mas tentam amenizar a todo custo. O espectador não pode ser alarmado, ou assustado, mesmo quando a situação é alarmante e assustadora.

Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence estão excelentes como os cientistas desacreditados. Ele mergulhando em uma espiral desconfortável e cometendo muitos erros, quando tenta fazer o melhor, dançar conforme a música. Ela rotulada como histérica e tendo a vida arruinada pelas mídias. Duas formas distintas, mas igualmente realistas de limitar e calar os detentores de conhecimento.

Meryl Streep personifica brilhantemente o pior tipo de político que existe, aquele que só se preocupa com poder, e que usa qualquer acontecimento ou crise para benefício próprio. E claro, seu governo reflete isso, muito além da simples negação de problemas. Vai das nomeações por favoritismo, sem que o indicado tenha qualquer qualificação para o cargo, passando pela interferência de investidores privados que patrocinam suas campanhas, até o poder o inapropriado e inconveniente dado à família dos políticos. Sim, estou falando do personagem de Jonah Hill, e seu comportamento semelhante a de outros filhos de presidentes que temos por aí.

 

Há ainda tempo para mostrar como as celebridades e poderosos se relacionam com suas causas. Transformando-as em mercadoria disfarçada de comoção, na figura da estrela pop vivida por Ariana Grande. Ou em oportunidade de negócios como o personagem de Mark Rylance. E até vislumbres de como civis reagem ao desenvolvimento da catástrofe. Embora o personagem de Timothée Chalamet, ocupe mais espaço em tela do que o necessário. 

Curiosamente, quando Não Olhe Para Cima, se distância de nossa realidade, é para se mostrar mais sensato que a realidade. Quando o cometa se torna visível, o povo começa a finalmente acreditar nele. Na vida real por outro lado, negacionistas não são convencidos nem mesmo com as milhares de mortes e os hospitais lotados. 

Apesar de sátira assumida, com muitos momentos de comédia e ironia, a produção ainda consegue criar alguns momentos mais emocionais em seu desfecho. Mas sua intenção não é comover pelo drama, mas alarmar pela crítica escrachada e caricata do nosso mundo. Tudo isso, com a visão própria e bem característica do diretor Adam McKay, cheio de firulas narrativas e personalidade. Além de um elenco estelar eficiente.

Não sei dizer se Não Olhe Para Cima teve a sorte de estrear no timing perfeito, ou se é apenas fruto de sua época. Talvez um pouco dos dois. De qualquer forma é uma exposição necessária de nossos problemas atuais, que infelizmente teve seu impacto reduzido pela semelhança com a vida real. Sim, a realidade amenizou a sátira absurda, e isto é assustador!

Não Olhe Para Cima (Don't Look Up)
2021 - EUA - 138min
Comédia

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