Os irmãos Phil Burbank (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) cuidam juntos da fazenda da família há décadas. Tudo muda quando George se casa com a viúva Rose (Kirsten Dunst), à contragosto do irmão que passa a atormentar a vida da mulher e de seu filho, o delicado Peter (Kodi Smit-McPhee).
Phil é grosseiro, mal encarado, sujo, o estereótipo do cowboy machão elevado à décima potência. Na verdade uma casca para esconder seus verdadeiros desejos e anseios, que Cumberbatch constrói de forma eficiente e complexa. Desde o início percebemos algo de errado em sua macheza exagerada, a realidade no entanto, é desnudada aos pouco ao público de forma nada direta ou convencional. Campion, apresenta toda a história pregressa do protagonista, através de insinuações, símbolos e metáforas visuais inteligentes e bem colocadas.
É esta complexidade não apenas na construção, mas na apresentação destes personagens que torna Ataque dos Cães uma obra única. A sutileza e o simbolismo com que a diretora nos apresenta temas polêmicos, emulam a falta de liberdade para aborda-los no contexto em que o filme se passa, no velho oeste estadunidente em 1925. Os personagens não podem, e nem saberiam abordar diretamente temas como sexualidade, masculinidade tóxica, alcoolismo, logo o filme também não fala livremente, mas os explora de forma inteligente e intensa.
Não é apenas Phil, que traz sentimentos complexos nas entrelinhas. A produção traz toda uma gama de personagens complexos, e com muitas camadas a serem exploradas. Dunst está excelente no papel da boa esposa e mãe, submissa e gentil, que mascar sua ansiedade e depressão entorpecendo seus sentidos. Embora a forma como o roteiro lida com seu alcoolismo, soe meio repentina e brusca em muitos momentos.
Jesse Plemons é quem tem menos espaço na trama, mas constrói um contraponto preciso ao irmão. Longe da figura do vaqueiro, mais contido e empático, ainda que incapaz de perceber os problemas a ansiedade que causa na esposa ao colocá-la em situações desconfortáveis. Enquanto Kodi Smit-McPhee surpreende ao esconder sob a delicadeza de seus gestos, e a fragilidade de sua figura, o personagem mais seguro de si, e mais ciente de todo o contexto em que está inserido.
É na soma destas personalidades complexas, suas inseguranças e desejos reprimidos, e na incapacidade de diálogo, ou mesmo um enfrentamento explosivo pontual, que o roteiro constrói toda a sua tensão. Enquanto pouco parece acontecer em cena, muito é dito e desenrolado em segundo plano, levando a narrativa por caminhos que não esperávamos.
Se um monte de gente a ponto de explodir não cria tensão o suficiente, a escolha da locação e o cenário em que a história se passa completam o clima. Uma casa isolada escura e opressora, em uma terra quase desértica cercada por uma cadeia de montanhas, mostram ao mesmo tempo o isolamento e a falta de perspectiva dos personagens. Todos sofrendo com a própria solidão, e incapazes de se livrar de seus fardos, presos atrás daquelas montanhas.
Curiosamente, ou não, quem consegue aqueles que conseguem ver algo além na cadeia de montanhas, são os dois personagens que escaparam dali, mesmo que temporariamente, frequentando a universidade. Também são eles que não se encaixam nos papéis determinados pela sociedade, ainda que encarem isto de formas completamente opostas.
Ataque dos Cães exige paciência do espectador. Esforço recompensando com uma complexidade de anseios, desejos e sentimentos reprimidos, que dialogam muito com a sociedade, atual e de outrora. Não deve conquistar quem não está disposto à ir um pouco além da superfície, por não ser uma produção fácil, ou "divertida". De fato, em alguns momentos a narrativa é bastante lenta, e até a compreensão do título exige esforço. Mas não se engane, esta é uma produção excepcional, complexa e construida com maestria.
Ataque dos Cães (The Power of the Dog)
2021 - EUA/Reino Unido - 136min
Faroeste, Drama
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