A Menina que Matou os Pais / O Menino que Matou Meus Pais

 Eu preciso de um terceiro ponto de vista!!! O que não significa de forma alguma que eu acredite na necessidade de um terceiro filme na curiosa experiência cinematográfica brasileira que é a dupla de longas A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais. De fato, tenho dúvidas se realmente eram necessários dois filmes para contar estes pontos de vista da história.

Baseado nos autos do julgamento de Suzane Von Richthofen, Cristian e Daniel Cravinhos, e roteirizado por  Ilana Casoy, que acompanhou todo o caso e escreveu um livro sobre ele, a dupla de filmes foi lançada simultaneamente no Prime Video. Após mais de um ano de atraso devido à pandemia. E propõe mostrar as diferentes versões de uma mesma história, o assassinato do casal Suzane Von Richthofen, por sua filha Suzane von Richthofen (Carla Diaz), seu namorado Daniel Cravinhos (Leonardo Bittencourt) e o irmão dele Cristian (Allan Souza Lima). Caso que abalou o país em 2002 e ainda gera comoção cada vez que um de seus envolvidos faz qualquer coisa. 

Focado nos depoimentos de Suzane e Daniel, estas ficções apresenta seu relacionamento e os acontecimentos que levaram ao crime. Duas narrativas distintas, claramente voltadas para interesses pessoais (leia-se inocentar-se), e por isso passíveis de desconfiança do público desde o princípio. Por isso acredito na necessidade de um terceiro ponto de vista, que deixasse mais claro a realidade entre as duas declarações, através do que pode ou não ser provado. Demanda desta blogueira que vôs escreve, mas não necessariamente uma obrigação dos filmes, tendo em vista que se tratam de ficções, não documentários. 

Logo, chega de julgar os filmes pelo que não trazem, ou se quer pretendem trazer. Melhor analisá-los pelo que oferecem. Um curioso ainda que não inédito, exercício de linguagem, que traz cenas semelhantes mas com diferenças chaves que mudam nossa perspectiva de cada acontecimento, para que esta se encaixe melhor na versão de cada um. 

Curiosamente, apesar de existirem vários exemplos de obras que contam diferentes lados da história, sejam em produções separadas, ou não, a primeira que me veio à mente ao assistir estas produções foi O Primeiro Amor (Flipped de 2010). Um romance juvenil pouco falado de Rob Reiner, que mostra a primeira relação amorosa entre adolescentes, alternando entre  os pontos de vista dele e dela, e os desencontros que suas perspectivas diferentes causam. Tudo isso, em um mesmo filme. É claro, este é um romance adolescente fofo, que em nada se assemelha à relação de Susane e Daniel, mas é uma prova que é possível criar a experiência de confrontos de pontos de vista em uma única produção, de forma mais harmoniosa, fluida e imediata. Já que a repetição é ao mesmo tempo os pontos fracos e fortes de A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais.

Sim, a comparação entre os filmes funciona, e as pequenas diferenças nas duas versões aguçam a curiosidade, especialmente se vistas em sequencia, sem intervalos. Mas a repetição imediata da mesma produção pode soar cansativa para alguns. Por mais que hajam diferenças estamos vendo a mesma história, que já é bastante conhecida, duas vezes. Se o público persiste, é em parte por nossa curiosidade mórbida natural por crimes, em parte pelas boas atuações.

Leonardo Bittencourt e Carla Diaz, óbviamente, tem os maiores desafios. E são eficientes em criar diferentes versões de seus personagens. Mais ingênuos em benéficos em suas versões, e manipuladores e mal intencionados na versão do outro. Embora Diaz tenha uma diferença mais marcante entre as personagens, até propositalmente exagerada. Recriando a sensação de encenação que Suzane de fato fazia em suas entrevistas. E nos fazendo questionar a real isenção da produção que escolheu dar "voz igual aos dois acusados". A versão de Suzane soa sempre mais caricata, e consequentemente mais falsa. Mas, novamente, esta é uma ficção, não um documentário.

A direção de arte e figurinos recria bem a época, assim como os símbolos presentes no imaginário coletivo de quem acompanhou o caso na época. E é eficiente em altera-los de acordo com o que as histórias pedem, como por exemplo os figurinos de Suzane, nas versões "santinha" e "malvada". Já a fotografia se faz presente em momentos chave, para transmitir sensações dos personagens, e imprimir o tom da atmosfera, especialmente nos pesados momentos do crime. 

À quem esteja se perguntando, apesar de algumas entrevistas do diretor que dizem o contrário, acredito que a melhor ordem para assistir aos filmes é primeiro A Menina que Matou os Pais e depois O Menino que Matou Meus Pais. Tanto pelas intervenções no título das imagens de divulgação, quanto por uma fala do juiz. No filme/depoimento de Daniel (A menina), o juiz pede que o rapaz conte sua versão. Já na história contada por Suzane (O Menino), o juiz questiona se ela concorda com o que foi contado até ali, ou deseja contar sua própria versão. 

A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais não são produções extraordinárias, ou de ideias inéditas, mas entregam o que se propõem a fazer. São um bom exercício de linguagem e arriscam uma experiência cinematográfica inédita no cinema nacional.  Além de explorar um sub-gênero muito popular no cinema, mas ainda pouco abordado por nosso cinema, o true crime , ou crime real em português. Iniciativa corajosa, executada com competência e por isso, bem vinda. 

Originalmente A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais estreariam simultaneamente nos cinemas em Março de 2020. Por causa da pandemia, a estreia nos cinemas foram deixadas de lado, e as duas produções estrearam no Prime Video.

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem