Anacronismos e reimaginações de La Révolution

Além da irrealmente óbvia pandemia canibal que acomete a nobreza, La Révolution toma várias licenças poéticas ao recontar a história da revolução francesa. Mudanças que poderiam ser consideradas grandes erros históricos, caso a série não se assumisse claramente como ficção.

E já que a gente gosta de assistir séries para aprender história, nada mais apropriado que apontar as maiores re-imaginações históricas da série da Netflix. Seja por simples curiosidade, ou para que ninguém corra o risco de responder alguma das loucuras da produção no próximo Enem.

1- Vacina e outros procedimentos médicos e científicos
Sim, a vacina como a conhecemos estava começando a tomar forma no século XVIII, mas Joseph Guillotin não tinha nada a ver com isso. Foi o médico britânico  Edward Jenner, quem é creditado pela invenção da vacina contra a varíola, em 1796. Na série o médico/protagonista imuniza sem autorização, todos os prisioneiros da prisão onde trabalha.

Já o método científico da época não era nada parecido com o que ansiosamente temos acompanhado em 2020. Jenner simplesmente injetava pessoas com o vírus da varíola bovina para ver o que acontecia. Nada ético, ou muito menos parecido com o que Guillotin faz na série, onde ele testa a imunidade contra o sangue azul em amostras de sangue da população. Isso sim, estava bem à frente de seu tempo.

Guilloyin o médico do interior à frente de seu tempo...

2 - Joseph Guillotin
Reparou no sobrenome do protagonista? Guillotin - Guilhotina!
Existiu sim um Joseph Guillotin na época da revolução francesa, e ele está relacionado com o surgimento da máquina de cortar cabeças que leva seu nome, mas não da forma como você imagina. 

Joseph-Ignace Guillotin foi um médico francês com vida politica bastante ativa, que viveu entre 1738 e 1814. Diferente da série, ele não era órfão, nem trabalhava em uma prisão de uma província menor. Viva em Paris, envolvido com a causa política. Ele fazia parte do partido “Tiers État“, (Terceiro Estado, que defendia interesses do povo).

Ele era contra a pena de morte, na busca pela abolição da prática, defendeu um método de execução mecânico, que infringisse menos sofrimento ao condenado. A guilhotina nasceu daí! Mas a máquina em si não fora criação do médico. Embora ele estivesse envolvido no projeto, ela foi criada na oficina do artesão de pianos Jean-Tobias Schmidt, inspirada em gravuras e antigos textos sobre máquinas de cortar cabeças usadas anteriormente em outros países da Europa. 

O verdadeiro Joseph-Ignace Guillotin

A máquina fora adotada em 1792, um ano antes de suas execuções mais famosas, dos ex-monarcas  Luís XVI e Maria Antonieta (1793). Só foi abandonada oficialmente em 1981, quando a pena de morte deixou de existir na Franca. Mas a última execução aconteceu anos antes em 1977.

Existe também a lenda de que Joseph-Ignace Guillotin morreu decapitado pela máquina que ele próprio sugeriu. Um erro nascido da coincidência, quando um médico de Lyon chamado J. M. V. Guillotin foi executado em uma guilhotina. Joseph-Ignace Guillotin morreu de causas naturais em 1814. Resta agora descobrir, qual dos dois o personagem de Amir El Kacem retrata na série (provavelmente o mais famoso mesmo)

3 - Bandeira Francesa
Em um momento muito poético, a bandeira francesa surge da batalha, resultado da união do sangue vermelho dos pobres caídos, com o sangue azul da nobreza decapitada. Obviamente não foi assim que o pavilhão surgiu, os nobres não tem sague azul de verdade. E o simbolismo por trás de suas cores também é outro. 


Em uma explicação bastante resumida, a bandeira atual foi adotada em 1794, e o website do governo francês considera que o campo branco era a cor do Rei, enquanto azul e vermelho eram as cores de Paris. É claro, outros simbolismos são associados às cores. Como os três elementos do lema revolucionário, liberté (liberdade: azul), égalité (igualdade: branco), fraternité (fraternidade: vermelho); Ou ainda os três principais estados do Antigo Regime (o clero: branco, a nobreza: vermelho e a burguesia: azul).

Paro esta lista por aqui, mas só para garantir vou apontar mais uma vez: a nobreza francesa não tinha sangue azul de verdade, e não foi por causa de um vírus zumbi-canibal que suas cabeças foram arrancadas. Essa invenção fica por conta das metáforas da produção. Leia mais aqui na crítica da primeira temporada

E aí, você também usa séries e filmes para aprender história? Sabia de todas as licenças poéticas da série da Netflix? Gostaria que a nobreza realmente fosse zumbis canibais de sangue azul? Comenta aí!

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem