Três Verões

Graças à longevidade da Operação Lava-Jato, já estamos mais que acostumados em ver famílias inteiras "se mudarem" (em fuga, diga-se), seus chefes serem levados para a prisão, ou mesmo serem confinados à prisão domiciliar. O que, no entanto, nunca ocupa as matérias de jornal, é o que acontece na vida dos inocentes que orbitam estes "investigados". É este ângulo da história que Três Verões se propõe a contar. 

Madá (Regina Casé) é a caseira da luxuosa residência de uma destas famílias. Acompanhamos como o escândalo de corrupção dos patrões afeta a vida dela, de outros funcionários, e do avô deixado para trás, Seu Lira (Rogério Fróes).

E o filme faz isso ao longo de (surpresa!) três verões distintos. O que implica em grandes saltos no tempo, e muita coisa acontecendo nos períodos omitidos. A mudança brusca de situação de um verão para outro, afeta a fluidez dos acontecimentos, o que provavelmente é uma escolha proposital do roteiro. A intenção é mostrar que a vida daqueles personagens continuam a todo vapor, apesar da ausência escandalosa e repentina da família, e do fato de as atenções estão sempre voltadas para ela.

Entretanto, a alteração repentina do quadro pode confundir, e consequentemente afastar, aqueles pouco acostumados com histórias que não seguem uma narrativa tradicional. É um ritmo diferente, que surpreende, especialmente aqueles que acreditavam encontrar um novo Que Horas Ela Volta?.

Existem sim semelhanças entre o filme de 2015 de Anna Muylaert, e esta produção dirigida por Sandra Kogut. Principalmente em sua temática, a peculiar relação entre patrões e empregados da sociedade brasileira. Mas a perspectiva aqui é outra. Os patrões estão ausentes, deixaram os problemas e os empregados para traz, e agem como se lhes fizessem um favor. E com uma circunstância nova, a relação de falta de empatia se estende para um dos membros da família, o patriarca abandonado. Seu Lira por sua vez, cria uma relação de cumplicidade com Madá, que enriquece ainda mais discussão.

 

Já a carismática protagonista (afinal é a Regina Casé), tem seus planos de ter um negócio próprio frustrado pelo escândalo. Encara as investigações, luta pelos direitos e sobrevivência dela, e dos demais empregados, sem parecer cansar ou se abalar. Quando a fachada finalmente cai, descobrimos na cena mais emocionante do longa, executada com maestria por Casé, toda a dor que sustenta essa força.  E esta evidencia ainda mais a disparidade de socioeconômica brasileira. 

Somando-se a tudo isso, as situações e alternativas que o grupo encontra para sobreviver, fazem críticas e alusões, ora mais contundentes, ora bem humoradas, á realidade brasileria do século XXI. Impossível não achar graça dos sushis de salsicha, solução da Madá para os ricos que querem "ser elegantes", mas não querem comer peixe cru. Ou ainda, com o tour de lancha pelas casas dos corruptos. O jeitinho brasileiro brega, soberbo e que se desvaloriza (chique é comer comida estrangeira mesmo sem gostar), e o, esforçado, que está disposto a resolver e ser criativo com os recursos que tem, estão juntos em cena. Nosso melhor e nosso pior. 

Com tema tão pouco explorado (os inocentes deixados para trás após escândalos de corrupção), e tão relevante atualmente Três Verões, poderia ser mais fluido, trazer um pouco mais de respostas sobre as circunstâncias que puseram os personagens nas situações apresentadas, e assim, alcançar um público maior. Para aqueles que atravessam sua narrativa cheia de elipses, a trama é realista e tocante, as atuações são excelentes, e as criticas contundentes. É um retrato do Brasil que vai servir de referência para explicar nosso momento para as gerações futuras.

Três Verões
2019 - Brasil - 94min
Drama

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