O Diabo de Cada Dia


No que você acredita? E como isso molda suas ações? Apesar da localização geográfica, é a forma deturpada de lidar com suas crenças o que realmente liga as histórias contadas em O Diabo de Cada Dia.

Baseado no livro O Mal Nosso de Cada Dia de Donald Ray Pollock, o longa da Netflix acompanha as peculiares e trágicas histórias, de vários personagens em um canto esquecido no interior dos Estados Unidos. Um soldado traumatizado pela guerra, e seu filho negligenciado, um policial corrupto, uma órfã devota, um casal de assassinos, dois pregadores completamente diferentes, embora igualmente nocivos.


Personagens que mal se encontram ao longo do filme, mas que para nós, espectadores oniscientes, estão interligados, geograficamente, por relações de causa e consequência, temática e círculos viciosos. Apenas nós, temos a visão de como suas trajetórias afetam e são afetadas uns pelos outros.

Para construir essa teia de coneções o roteiro dos irmãos Paulo Campos e Antonio Campos (este último também assina a direção). Abraça um tom mais contemplativo, que evidencia o ritmo de uma cidadezinha do interior dos anos de 1950 e 60. Ao mesmo tempo que escolhe cirurgicamente os momentos apresentados nas vidas de cada um dos personagens, momentos decisivos, muitos deles violentos, que determinam com rapidez quem são os personagens e justificam suas ações. 

É por causa dessa escolha precisa, que é possível acompanhar a história de tantos personagens. Alguns com mais evidência que outros. Arvin, personagem de Tom Holland é quem tem mais se destaca, com um arco que, de certa forma, interliga todos os demais. Papel que o atual Homem-Aranha, entrega com uma introspecção e sisudez que não estamos acostumados a vê-lo interpretando. Seu personagem é acertadamente contido, travado, como se segurasse uma raiva sempre prestes a explodir. Agarrado as suas boas intenções, mesmo que sua vida sempre tente levá-lo para o caminho errado, o que eventualmente acontece.


Outros como o pregador Roy (Harry Melling, o primo Duda de Harry Potter), tem menos tempo de tela, mas história bem desenvolvida. A falta fica apenas com o casal Sandy e Carl Henderson (Riley Keough e Jason Clarke) não deixa muito claro, como a dupla se encontrou no ramo de assassinato. Ainda sim, quando voltamos ao tema da fé o casal é, curiosamente, o mais honesto e ciente do que acreditam. E se escondem sua "religião" é pelo fato de ser um crime, e não por pressões da sociedade. 

O completo oposto do delegado Lee Bodecker (Sebastian Stan), cuja única preocupação é manter as aparências para a próxima eleição. E muito diferente Lenora e Willard (Eliza Scanlen e Bill Skarsgård) ambos presos e acuados pelas próprias crenças, cada um à sua maneira. Já o reverendo Preston Teagardin de Robert Pattinson, merece uma atenção à parte. Com sotaque exagerado e atuação propositalmente caricata, evidência como a fé pode ser usada para tirar proveito do próximo, mesmo pelas pessoas mais patéticas e inadequadas. 

A fotografia dessaturada, evidencia o tom melancólico e sem esperança daquele cotidiano, que com a ajuda da direção de arte, se apresenta como um canto miserável do mundo. Sem brilho, sem vida, assim como seus personagens, e suas vidas pequenas e sem perspectivas. 

O Diabo de Cada Dia isola seus personagens em seus dramas, apenas para mostrar como estes influenciam as vidas uns aos outros, independente de suas vontades e percepções. Um drama denso, refelixvo e bem construído, que critica coragem os caminhos errados que a fé sem perspectiva pode levar, e frequentemente leva.  

O Diabo de Cada Dia (The Devil All the Time) 
2020 - EUA - 138min
Drama

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