Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa

Apesar do fracasso retumbante, uma coisa agradou em Esquadrão Suicida, a Arlequina criada por Margot Robbie. O que não significa que a personagem não tenha seus problemas, que vão muito além do filme de 2016, vem de sua criação. Atrelada à figura do Coringa, a vilã nasceu em um relacionamento abusivo, que volta e meia era romantizado em suas histórias. Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa pretende corrigir isso, ao mesmo tempo que aproveita o melhor de sua protagonista. Dando voz não apenas à ela, mas a outras personagens femininas que fazem sua estreia na telona.

Harley Quinzel está na fossa, buscando proteção e novos rumos na vida. É assim que esbarra em Cassandra Cain (Ella Jay Basco), uma garota com uma carga preciosa de interesse do vilão narcisista Roman Sionis (Ewan McGregor). A detetive Renée Montoya (Rosie Perez), Canário Negro (Jurnee Smollett) e a Caçadora (Mary Elizabeth Winstead), também precisam se emancipar de uma forma ou outra, e suas jornadas acabam por se cruzar e unir ao longo da projeção.

Eu sei o que alguns de vocês podem estar pensando, que se trata de um filme panfletário que fica fazendo discursos e oferecendo lições femininas. Não é. Tem sim seis momentos de mensagem mais direta, mas estes são mais que precisos e necessários, diante da origem de sua protagonista. Mas no restante do tempo, trata-se de uma narrativa absurda e divertida, com muita ação e narrada por uma personagem carismática e com muitos transtornos psiquiátricos.

Transtornos esses dos quais ela parece ser bastante ciente, mesmo em sua perspectiva louca, já que o roteiro não exita em relembrar, a moça é psiquiatra. Com direito a autoanálise, e pequenos diagnósticos sobre aqueles que a cercam, como o constante estado raiva da Caçadora.  A personagem de Mary Elizabeth Winstead é a única das da companheiras de Arlequina a ter uma história de origem mais elaborada, embora não tenha mais tempo de tela que as demais por causa disso.

Praticamente todas elas tem seu espaço e arcos tem trabalhados. A Caçadora está em uma jornada de vingança cega. Montoya é menosprezada no ambiente de trabalho machista. Canário Negro precisa encontrar sua voz contra seu patrão, o vilão da história. Apenas Cassanda não tem uma jornada a seguir, servindo apenas como recurso da narrativa. A falha, no entanto, é compensada pelo carisma de Ella Jay Basco e por sua relação com Arlequina.

De volta à protagonista, a jornada de Harley não ignora seu passado violento, ou mesmo o filme ruim em que fez sua estreia, mas evolui a personagem a partir destes "pontos negativos". Cheia de camadas, ela deixa de ser a ex do Coringa, que visivelmente sente falta da proteção e poder que o relacionamento abusivo lhes conferia, para ser dona de seu próprio filme e regras. A personagem desenvolve empatia, e passa a decidir o que é certo e errado, dentro de sua bússola moral de vilã, é claro. Sem nunca perder seu lado insano que beira propositalmente cartunesco constantemente.

Apenas sua narração constante soa intrusiva em alguns momentos. Embora o estilo fora de hora, e exagerado seja coerente com a mente que está narrando a história, divertida, colorida e meio louca. Além de ser compensado pelo carisma de Robbie, que não apenas nasceu para dar vida à personagem, mas abraçou-a para si. Como produtora do longa, ajudou a criar uma visão de mundo muito mais atual e complexa para ela.

Muito mais simples é o vilão Sionis. Assumidamente caricato, com a tradicional motivação de ser o cara mais poderoso da região, parece ter saltado direto dos quadrinhos para a tela. Papel exagerado e divertido que Ewan McGregor abraça com gosto.

A composição de Gotham é bem elaborada, decadente e exuberante ao mesmo tempo. As ruas cinzentas, dão lugar a uma cidade ainda suja, mas também abarrotada, colorida e cheia de vida. Que ganha ainda mais tons com a trilha sonora, com versões próprias e estilizadas de músicas conhecidas.

Já as cenas de ação chamam atenção. Bem coreografadas e montadas, as sequências usam as características de suas personagens nas lutas. Resultando em boas sequencias de porradaria, que não dependem de força bruta, mas de habilidades, fraquezas e necessidades coerentes com quem as executa.

O roteiro de Christina Hodson, consegue fazer piada com as antigas visões das habilidades femininas em filmes de ação, ao mesmo tempo que dá uma execução muito melhor à elas. Enquanto a direção de  direção de Cathy Yan consegue transmitir essas idéias de forma divertida e nada didática. Quais idéias? A de que não é preciso ser sexualizada, idealizada ou masculinizada para protagonizar um filme de ação. É possível ser bem mais complexa que isso, com habilidades distintas, falhas, desejos, dúvidas. Parecer bonita quando quiser, mas também ficar toda estropiada após uma luta, e por aí vai...

Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa é uma produção feita por mulheres, e por isso tem sua visão própria de suas figuras femininas, mas ainda é uma produção para todo mundo, bem produzido, cheio de ação e que reflete bastante sua protagonista. Cheia de personalidade, desbocada, exagerada, colorida, louca, perigosa, mas curiosamente também generosa, já que esta Arlequina traz várias outras peonagens para se emancipar junto com ela. Além de definir novos parâmetros e possibilidades para as personagens femininas em filmes de ação.

Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn)
2020 - EUA - 109min
Ação

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