Qualquer história, por mais simples que seja, pode se tornar um épico quando bem contada. 1917 é prova disso, ao transformar uma longa caminhada em uma experiência de imersão enervante.
Atravessar o território inimigo para entregar á tempo uma mensagem que pode salvar a vida de 1600 homens. Esta é a missão dos cabos Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay), dois jovens soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial.
Essa é toda informação que temos sobre eles e a guerra. O percurso, seus percalços e encontros, é a trama. Já a empatia com a dupla é criada pela experiência que compartilhamos com eles. O roteiro é muito simples, e o desenvolvimento dos personagens é limitado ao tempo que passamos com eles, sem histórias anteriores ou posteriores.Logo, é na forma como esta jornada será contada que reside a força e o diferencial desta produção.
Ciente disso, Sam Mendes escolhe contar esta história em dois "planos-sequência", colocando o espectador como o terceiro soldado nesta missão. A imersão é instantânea e intensa, já que caminhando junto continuamente com os personagens, é inevitável a sensação de que algo poda acontecer também com quem está do lado de cá da tela.
Trata-se também de um esforço de produção impressionante. O design de produção precisou entregar locações e cenários completos, contínuos e distintos, para que pudessem ser percorridos em tempo real pelos personagens. Os atores que além do esforço físico, para percorrer esse trajeto sem ajuda de cortes, precisariam retratar o sofrimento e desgaste crescente dos soldados. Tudo isso em coordenação com a equipe que percorre o trajeto com eles, carregando câmera e demais equipamentos sem serem notados por nós.
A montagem teve o desafio de coordenar as transições para que não notássemos os cortes, sim eles existem. Apesar de ser apresentado como plano-sequência, a jornada não fora gravada de forma interrupta. O plano mais longo tem cerca de nove minutos. Enquanto a fotografia precisa unificar estes muitos takes, para acreditarmos ser o mesmo dia e garantir a iluminação adequada, mesmo quando mudamos de cenário bruscamente, sem dispor da facilidade de posicionar as luzes pelo cenário.
Em outras palavras, enquanto Blake e Schofield encaravam uma guerra em cena, a equipe encarava uma batalha igualmente enervante e desgastante por trás das câmeras. E por falar no elenco, Dean-Charles Chapman e George MacKay, se mostram dedicados ao projeto, embora o roteiro priorize mais a jornada que seus arcos. MacKay ainda encontra mais espaço para trabalhar a desesperança da guerra entregando um excelente trabalho. Enquanto correm por aí, a dupla esbarra em rostos conhecidos da dramaturgia britânica como Colin Firth, Mark Strong, Andrew Scott, Benedict Cumberbatch e Richard Madden.
Reparou que até agora falei mais sobre a produção que de seu conteúdo? Isso porque trata-se um filme de técnica. Assim como escolhe não desenvolver grandes arcos para seus personagens, o roteiro também não explora questionamentos, e discussões sobre a guerra. Até mesmo sobre os motivos e desdobramentos da tal mensagem a ser entregue sabemos pouco. Os temas estão lá, o companheirismo, a obrigação de seguir ordens, a saudade de casa, a desesperança, o extermínio cego do inimigo, mesmo quando este te estendeu a mão, entre outros. Embora nenhum deles vá além da breve indicação, ou de bons diálogos entre os rapazes.
A única vez que a produção opta por uma pausa mais reflexiva, quando um personagem encontra sobreviventes. Esta acaba não agrega grande informação, já que não temos o histórico dos personagens, para compreender completamente o que estão pensando e sentindo. Acaba soando demorada demais em um momento de grande urgência.
A trilha sonora em geral é acertada. Embora, em alguns momentos soa intrusiva ao tentar ressaltar o heroísmo e o tom épico de uma cena ou outra. Mais acertados são os discretos efeitos especiais, que aqui são aplicados para manter a ilusão da filmagem contínua, ao inserir e ajustar detalhes impossível de se realizar com efeitos práticos.
Vale apontar, apesar de se passar em uma guerra real, o longa não conta uma história verídica. É uma coleção de situações e memórias passadas ao diretor por seu avô que lutou na Primeira Guerra Mundial.
1917 oferece uma execução absurdamente complexa para um roteiro simples. O resultado é uma excelente espetáculo de imersão com um trabalho de produção impressionante. Poderia trazer mais conteúdo em relação aos personagens e cenário em que estão inseridos, é verdade. Mas a ausência destes detalhes não comprometem em nada o mergulho na jornada. De fato, sua falta só será notada ao final da sessão. Se for notada, já que a produção entrega uma jornada ainda mais empolgante do que promete.
1917
2019 - Reino Unido / EUA -119min
Drama, Guerra
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