Hebe - A Estrela do Brasil

Uma professora minha costumava dizer que qualquer dia desses encontraria uma foto de Hebe em seu álbum de família. A piada expressava com clareza a forte presença da apresentadora no imaginário de seus espectadores, que sentiam conhecê-la intimamente. Entretanto, por mais que o carisma, sinceridade e abertura de Hebe Camargo passasse e essa proximidade, dificilmente conheceríamos todas as suas facetas. Hebe - A Estrela do Brasil tenta mostrar algumas delas em um período crucial em sua carreira e na história do país.
É 1985, e Hebe (Andréa Beltrão) é uma das apresentadoras mais populares da televisão. Prestes a completar sessenta anos de idade, e com quarenta de carreira, não aceita mais ser submissa ao marido, governo ou costumes vigentes. Aceitando o risco de fazer seu programa a seu modo e falar o que acha correto, no período de redemocratização do país, onde a ditadura militar já havia acabado, mas a censura ainda não.

Tomando a liberdade de não seguir a riscar a ordem dos acontecimentos na vida real, a produção prefere ajustar estes eventos aos interesses da narrativa de forma a conectá-los e tornar mais evidente seu impacto na vida da protagonista, e a motivação por trás das ações da mesma. Os eventos afetam e conectam a Hebe apresentadora, mãe, esposa, amiga, criando uma imagem mais contundente da apresentadora que distribuía alegria e determinação em frente às câmeras, mas tinha suas fragilidades e dúvidas como todos nós.

Tudo isso validado pela composição acertada de Beltrão. A atriz cria sua própria versão da Hebe, sem deixar de lado as expressões e maneirismos característicos, mas evitando se limitar à mera imitação. Tornando-se uma versão crível da apresentadora, mesmo não compartilhando de semelhanças físicas.

Se por um lado a não fidelidade permite conectar as diferentes facetas da personagem, por outro permitem ignorar momentos não tão lisonjeiros. Uma falha bastante comum em briografias. Assim atitudes polêmicas não tão admiráveis da apresentadora, como apoio a determinados políticos são apenas pincelados pela trama. Outros temas também são apenas apontados, como seu estado mental e a relação com o pai de seu filho. Já a relação conflituosa com a censura, é substituída sem grandes resoluções por um dos muitos processos que enfrentou por falar o que pensa. É provável que estes temas sejam melhor trabalhados na série que se deriva do filme a ser lançada em 2020. Mas o filme deveria se sustentar sozinho, resolvendo os muitos conflitos que aponta de forma mais coesa.

Ainda sim, o roteiro passeia por estes muitos temas de forma fluida e agradável. Talvez pela familiaridade com a protagonista, talvez pela coesão na forma com que é retratada, e muito provavelmente pelo carisma que sua figura evoca. Se o efeito será o mesmo com os mais jovens, que não cresceram assistindo-a todas as semanas não posso afirmar.

O desfile de bem recriadas versões das muitas figuras públicas que mararam a vida da protagonista também faz uso desta nostalgia. Desde as amigas Nair Belo e Lolita Rodrigues (Cláudia Missura e Karine Teles, respectivamente), em uma participação breve, porém divertida. Até a interpretação com direito à performance musical de Felipe Rocha, para Roberto Carlos.

O diretor Maurício Farias confere personalidade à obra, ao construir sequências que escolhem formas distintas de mostrar as ações dos personagens. Desde o plano sequencia que acompanha Hebe em sua primeira sequencia em casa, passando por uma em que observamos o que a personagem faz através do reflexo em seus óculos, até um plano aéreo em uma pista de dança. Enquanto a direção de arte recria com capricho a atmosfera da década de 1980, e faz bom uso do acesso à que teve ao guarda-roupas e jóias da verdadeira Hebe. O desfile de figurinos, brilhantes e penteados é uma atração à parte.

Estamos longe de conhecer a vida toda da protagonista nesta biografia, mas o recorte de Hebe - A Estrela do Brasil não poderia ser mais acertado. Fala de censura, corrupção, preconceito, homofobia e submissão da mulher, temas que a apresentadora já discutia naquela época, e que infelizmente ainda precisamos discutir. Ao mesmo tempo, usa estes temas para mostrar a vida por trás das câmeras daquela que é provavelmente a maior apresentadora da TV brasileira, ressaltando sua humanidade, força e carisma. Á certa altura da projeção Hebe afirma que é 'direta', sua biografia é como ela direta e cheia de brilho.

Hebe - A Estrela do Brasil
2019 - Brasil - 112min
Biografia, Drama

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