Os Últimos Czares

"Será uma série sobre disputa pelo trono, com intrigas políticas, uma família real luxuosa, a decadência de uma dinastia, sexo, violência e morte. Com o diferencial de que se trata de uma história real, não uma saga ficcional. Acrescentaremos inclusive, depoimentos de historiadores do período, para conferir veracidade à nossa história." - Não pude evitar imaginar os criadores de Os Últimos Czares, vendendo a série com entusiasmo para possíveis investidores. Uma espécie de Game of Thrones da vida real,com produção luxuosa e embasamento histórico. Uma ideia excelente, mas também complexa, já que carrega o a responsabilidade de retratar a realidade, e esta tem vários lados e vertentes.

Acompanhamos o reinado de Nicolau II, último czar russo, desde sua ascensão ao trono em 1894, até sua morte em 1918. Sim, ele morre. Não é spoiler, é história. E este é um dos méritos da série, trazer uma história complexa de forma palatável para o grande público. Entretanto, este também pode ser considerado seu ponto fraco, já que algumas imprecisões históricas são cometidas em prol da novelização. Essa qualidade ambígua, permeia toda a produção da Netflix.

A reconstrução de época, cenários e figurinos luxuosos, são bem planejados e executados. Ao mesmo tempo a série escorrega e situa a Praça Vermelha de 1905, com uma imagem atual do onde o Mausoléu de Lênin, que morreu décadas depois da data em questão, já está presente. A trama flui quando acompanhamos a trajetória de Nicolau e sua família, intercalando bem a relação entre assuntos pessoais e de estado. Mas o ritmo é constantemente quebrado pelos depoimentos de historiadores, e principalmente pela trama paralela da suposta Anastácia. A série traz possibilidade da sobrevivência da princesa como incentivo para nos apegarmos ao futuro da família, mas pouco mostra da moça antes do massacre. Em outras palavas, é uma série de altos e baixos.

O roteiro simples e fácil de acompanhar, apresenta os principais fatos históricos do período, e imagina os momentos que ninguém presenciou, como conversas intimas entre o czar e sua esposa, à exemplo de The Crown, também da Netflix. Mas enquanto a série que acompanha a Rainha Elizabeth usa estes momentos para humanizar a realeza, Os Últimos Czares por vezes opta por tratar seus personagens de forma mais caricata geralmente de apelo sexual. Como as sequencias de sexto entre o czar e a czarina, o encontro romântico de uma de suas filhas, e a sequencia em que Rasputim fica à sós com a filha do primeiro-ministro.

As atuações são eficientes, com destaque para o trio principal. Robert Jack convence na tarefa de apresentar um Nicolau II, que foi criado para acreditar que tem o direito divino ao trono, e por isso é incapaz de perceber suas limitações diante da tarefa. Susanna Herbert convence principalmente nos momentos em que intercala a preocupação da Czarina Alexandra Feodorovna pela saúde do filho e as ações visivelmente influenciadas por Rasputin. E por falar nele, Ben Cartwright entrega um trabalho mais caricato, mas coerente com as histórias e mitos que o conhecimento popular atrela à tão curiosa figura.

Entre acertos e equívocos, Os Últimos Czares consegue manter o espectador interessado e apresentar a ideia geral quanto à queda dos Romanov. Acerta principalmente em contrapor o sentimento de direito divino da realeza, em contraponto com a sua incapacidade de se ajustar os novos tempos. A postura absolutista irredutível, é um dos fatores determinantes para o fim de sua dinastia, e isso fica claro.

Este docudrama não está longe de ser um Game of Thrones, em qualidade e complexidade, não que a história da Rússia não seja complexa, mas o recorte aqui é o mais simples. Tão pouco, tem depoimentos e pontos de vista suficientes sobra a história, para ser considerado material de estudo. Mas é bem produzida, e de grande apelo para o grande público. O que a torna um bom vislumbre para quem pouco sabe sobre este momento da história do mundo (sim, os efeitos da queda dos Romanov são globais), além de uma excelente porta de entrada para estudar de verdade. 

A dica é, se o programa atiçou seu interesse sobre os últimos czares russos, não pare por aí. Aproveite o embalo e busque outros materiais, leia um pouco, desvie dos estereótipos, simplificações e alterações que a série escolheu em prol do drama. Garanto que vai descobrir que algumas histórias reais podem ser tão ou mais interessantes que sagas com dragões e zumbis de gelo.

Os Últimos Czares tem seis episódios, todos já disponíveis na Netflix.

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