Alguém Especial

Quando você precisa afirmar repetidamente em voz alta que é algo, há uma grande probabilidade de que você não seja o que alega. A protagonista de Alguém Especial, anuncia várias vezes que é uma mulher adulta, capaz de resolver seus problemas. É claro, todas as suas atitudes são extremamente infantis e irresponsáveis. Tornando difícil crer que, em apenas um dia, a mocinha vai encerrar sua jornada de auto-descoberta e amadurecimento, e encontrar a tal pessoa especial do título.

A jornalista musical jornalista musical Jenny (Gina Rodriguez, Jane the Virgin) conseguiu o trabalho de sua vida, em outra cidade. Nate (LaKeith Stanfield, Corra!) seu namorado há nove anos não gosta da ideia de namoro à distância, e a longa relação termina às vésperas da viagem. Arrasada, a moça decide encarar a fossa em uma última noite de aventuras por Nova York ao lado das amigas Blair (Brittany Snow, A Escolha Perfeita) e Erin (DeWanda Wise, Ela Quer Tudo).

Não precisa ter um repertório muito extenso para entender onde esta produção da Netflix pretende chegar. Após uma louca, e supostamente, divertida aventura noite adentro, Jenny será capaz de aceitar as mudanças e se descobrir como seu próprio "alguém especial". Uma jornada de bastante conhecida, mas previsibilidade não é um problema quando vem de personagens bem construídos e uma história bem desenvolvida. Mas o filme não acerta em nenhum destes quesitos.

A começar pelos personagens. Estrelado por uma latina, que conta com a fiel companhia de de suas melhores amigas, a loira e "certinha" e a negra gay, enquanto seu ex é negro. O longa até ganharia pontos pela diversidade, se estas personas não estivessem presas em estereótipos rasos e cansativos. A diversidade aqui serve atender a uma repetitiva estratégia comercial de inclusão. Algumas ideias até poderiam trazer discussões mais interessantes, como o motivo para a dificuldade de relacionamento de Erin, mas toda o tema é resolvido em apenas uma linha de texto, e fica por isso mesmo.

Já a "adulta" protagonista, não apenas se comporta como uma criança birrenta, como traz suas amigas para este nível ao obrigá-las a deixar de lado suas responsabilidades para acompanhá-la. Em certo momento, Jenny e Erin vão ao trabalho de Blair, usar a desculpa da época da escola: você precisa ser dispensada, pois sua tia morreu. Forçar os amigos a abandonar suas responsabilidades, adultos não fazem isso.

Seja de que forma for, as moças conseguiram o tempo livre para aproveitar suas ultimas horas juntas e celebrar sua amizade. Como elas fazem isso? Bebendo e consumindo drogas em uma quantidade absurda. Ao ponto de levar o espectador à se preocupar com a saúde das personagens. Longe de mim bancar a puritana, mas uma evolução precisa de mais que bebedeira e drogas. Como alguém vai aprender algo, e se tornar uma pessoa melhor estando chapado todo o tempo? Por mais que justifique os arroubos de coragem, e as atitudes insanas na qual a noitada se baseia, a construção de suas evoluções é comprometida. Será que vão lembrar do que aprenderam no dia seguinte? Além disso, há o reforço nada sadio da ideia de que a diversão só é possível com o uso de entorpecentes.

Em meio à vida louca das garotas, flashbacks apresentam o romance de Jenny e Nate, que ora soa como a relação mágica de comédia romântica, ora assume um tom mais realista e honesto. Nestas últimas sequencias, alguns momentos inspirados exploram o desgaste natural de uma relação longa. Com destaque para a sequencia de rompimento, que ao contrário do que a personagem evoca ao longo da bebedira noite, é mais uma constatação do desgaste, de que ambos aproveitaram e vão levar o melhor do relacionamento, que um traumático e histérico término. Este é aliás, um dos poucos momentos realmente maduros dos personagens e do filme. Curioso é perceber que a situação se repete em uma versão menos "sombria", com outro personagem.

É apenas em sua cena final, que as moças realmente resolvem agir como amigas e não parceiras de noitadas. Em um diálogo casual e divertido, Rodriguez, Snow e Wise, compartilham confidencias e aprendizado de suas personagens, com uma boa quimica. Uma das raras cenas acertadas da produção, que tem seu peso diminuído, por todo exagero que o antecedeu.

Com um elenco de rostos familiares e um argumento conhecido, porém popular, Alguém Especial tinha as ferramentas para ser no mínimo um bom entretenimento escapista. Mas a produção opta por clichês, estereótipos e exagero, soando apenas vazia e cansativa. O resultado é uma história esquecível, povoada por "alguéns" nada especiais.

Alguém Especial (Someone Great)
2019 - EUA -92min
Comédia, Romance

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