Um Ato de Esperança

Não se deixe enganar pelo título genérico, Um Ato de Esperança passa longe de representar o drama que ele nomeia. O mesmo vale para o título original The Children Act (que faz referência à Lei de Crianças do Reino Unido), ou a tradução utilizada pela versão nacional do livro em que o longa fora inspirado, A Balada de Adam Henry. Nenhum destes nomes deixa claro, que vamos acompanhar a complexa vida de uma mulher moderna.

Fiona Maye (Emma Thompson) é uma Juíza da Suprema Corte na Divisão de Família. Ela dá a palavra final sobre casos eticamente complexos, e que quase sempre precisam de uma solução rápida. Não é surpresa que o excesso de trabalho e responsabilidade tenham criado um desgaste em seu estável casamento com Jack (Stanley Tucci). Ao mesmo tempo uma quebra de protocolo no caso de Adam Henry (Fionn Whitehead, Dunkirk), um adolescente que por motivos religiosos recusa o tratamento que pode salvar sua vida, desequilibra ainda mais sua delicada rotina.

E quando digo que esta produção acompanha a vida da juíza, não falo de uma longa biografia, mas do cotidiano. O cansativo dia-a-dia de uma pessoa com um dos cargos mais desgastantes que se pode ter. Decidir em um curto período de tempo sobre a vida e a morte de terceiros, arcar com as consequências destas escolhas e ter completa ciência de que é impossível salvar ou agradar à todos, ser julgada e perseguida o tempo todo, seja qual for sua decisão. O trabalho de Fiona a consome de tal maneira que parece torná-la incapaz de tomar decisões e atitudes em relação à sua própria vida.

Fiona tenta distanciar o emocional de suas decisões. Funciona para corte, mas não para a vida pessoal, fazendo com que ela perceba que sua impassividade está arruinando seu casamento, e mesmo assim não consiga fazer nada à respeito, ela está presa pela própria racionalidade. A quebra de protocolo ao visitar o jovem Adam no hospital, é a gota d'água que falta para desestabilizar a protagonista completamente. Um prato cheio para Emma Thompson bilhar. A atriz consegue transpassar toda a humanidade escondida por baixo da postura austera que a personagem abraça. A imponente juíza, tem medos, duvidas, tristeza, um ou outro vislumbre de alegria, mas principalmente desespero.

E por falar no elenco, é ele o ponto forte desta produção. Enquanto Thompson carrega o longa com as muitas nuances da protagonista. O marido vivido por Tucci, esbanja honestidade e carinho por sua companheira, mesmo quando a frustração em relação ao seu casamento o leva à cometer atos egoístas. A verdade que o ator imprime nessa relação tornam Jack um companheiro que realmente merece mais de Fiona, tornando sua incapacidade de conexão ainda mais gritante.

Whitehead é o outro grande destaque deste bom elenco. Adam é um rapaz inteligente, que se descobre ao mesmo tempo deslumbrado e assustado com a vida. Confusão compreensível para alguém tão jovem que tem todas as suas crenças, e até seus entes mais próximos, posto à prova de uma só vez. Uma grande carga emocional, que o ator desenvolve com naturalidade.

O ponto fraco fica por conta de algumas escolhas de roteiro que tornam o desenvolvimento da relação entre Fiona e Adam um tanto quanto brusco. Como na sequencia em que a dupla se conhece. O jovem já parece deslumbrado com a juíza antes mesmo de conhecê-la, quando seria mais crível que tamanha admiração tivesse surgido como resultado desde encontro, ou mesmo como consequência do desenrolar do processo. Escolhas como estas, tornam o relacionamento mais confuso que o necessário.

O problema maior talvez seja o arco da protagonista, que não parece evoluir. Apesar de tudo pelo que passou, Fiona parece terminar mais ou menos do mesmo jeito que começou. Ainda presa em seu trabalho desgastante, sem conversar sobre seu casamento com o marido. Não posso afirmar com certeza, se o roteiro falhou em encerrar o arco da personagem, não criando as cenas necessárias para resolvê-lo, ou se sua intenção era mostrar uma personagem trágica que não consegue se libertar de seu mundo desgastante. Contudo, a sensação de frustração é a mesma em ambos os casos.

Ao menos à produção acerta ao transmitir o sentimento de clausura da vida da protagonista. Fiona vive em um espaço de algumas quadras, distância entre o trabalho e sua casa. Isso é tudo que ela vê do mundo, uma Londres com poucos atrativos, apinhada de gente ocupada. O tribunal é sisudo, com linhas retas, cores fortes e vestimentas pesadas. Já sua casa é cheia de divisões. Tudo a sua volta é pensado para prendê-la e isola-la ainda mais do mundo.

O drama inspirado pelo romance de Ian McEwan, que também assina o roteiro, relembra que mesmo a autoridade mais responsável e austera, tem suas fragilidades. Mergulhando em seu cotidiano, para observar de perto seus problemas, medos e dificuldades. O que funciona perfeitamente graças às excelentes atuações de Thompson, Tucci e Whitehead. Passa longe de ser Um Ato de Esperança, mas é certamente uma contundente balada sobre a humanidade de pessoas como Fiona. Aparentemente "acima" dos outros, mas que precisa de ajuda, e enfrenta decisões impossíveis como qualquer um de nós.

Um Ato de Esperança (The Children Act)
2019 - Reino Unido - 106min
Drama

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