Sempre Bruxa - 1ª temporada

Em sua missão de ampliar seu catálogo próprio, a Netflix buscar produzir obras de diferentes lugares do mundo, abraçar diferentes estilos, atender a públicos de idades diversas, usar temas que estão em alta e até contar com uma ajuda do público certo que uma adaptação oferece. Sempre Bruxa curiosamente reúne todas estas características, mas acaba se perdendo nas possibilidades que ela própria oferece. O que não significa que não dá para se divertir com esta aventura juvenil de tom novelesco.

Carmen (Angely Gaviria), é uma escrava de dezenove anos no século XVII, que vive um romance proibido com o filho de seu senhor. Acusada de bruxaria para seduzir o rapaz, a moça é levada para a fogueira. A surpresa aqui é que ela é realmente uma bruxa e conta com a ajuda de um feiticeiro mais experiente para escapar da fogueira e salvar seu amado. Em troca ela deve entregar uma encomenda em 2019. É claro, quando chega no futuro, a moça descobre que a missão é mais complicada do que parece.

Sim, você entendeu direito. Sempre Bruxa tem romance jovem proibido, magia e viagem no tempo, elementos em alta quando se trata de obras para o público juvenil. E o potencial desta reunião de temas não é pouco. Além do estranhamento e desventuras que que cruzam o caminho de todo viajante do tempo, e do preço que sempre precisa ser pago pela magia, há ainda a discrepância gritante entre realidades. Carmem deixa de ser uma escrava do século XVII, para se tornar uma jovem livre no século XXI. Não que a vida de uma mulher negra nos tempos de hoje seja fácil. O problema é que com tantas possibilidades para trabalhar o roteiro se perde e acaba não explorando bem nenhum deles.

Um viajante do passado, tem muito mais dificuldades de quem faz o caminho oposto. Simplesmente pelo fato de que, enquanto quem vem do futuro tem o passado como referência, quem avança no tempo não pode imaginar o que está por vir. Mas Carmem não tem dificuldades em se adaptar aos nossos loucos tempos. Os instantes de confusão e dúvida são poucos, e o medo é inexistente. É de se imaginar que uma escrava de 1646, se assustasse, ou ao menos tivesse receio de determinadas coisas como o barulho das cidades, carros, vestimentas e principalmente homens brancos desconhecidos. Afinal, nos momentos iniciais, a moça não saberia que a escravidão acabou, ou que as mulheres lutaram - e ainda lutam - para ter os mesmos direitos e autonomia dos homens (outros dois bons temas a serem discutidos, mas desperdiçados). Entretanto, a protagonista em momento algum hesita em sair pelas ruas indagando, e enfrentando, qualquer um que cruze seu caminho.

Como se o desperdício da sempre divertida "fase de adaptação" não fosse suficiente, o roteiro ainda faz questão de ajudá-la sempre que pode, sem dar muitas explicações ou se preocupar com a veracidade das situações. Sem documentos ou dinheiro, a moça se hospeda em uma pensão. Entra em uma universidade, senta e uma sala de aula e assim passa a ser aluna de instituição (na época em que eu fiz faculdade não era tão fácil assim). Em instantes, faz amigos que a tratam como se a conhecessem a vida toda, ainda que eventualmente estranhem seu jeito diferente, e mal saibam seu nome completo. Mesmo seu guarda-roupas moderno e descolado, surge como se fosse fácil se tornar uma fashionista com peças reunidas de um achados e perdidos.

Já a trama principal segue a cartilha de obras juvenis com elementos sobrenaturais. A previsibilidade não seria um problema, se a narrativa fosse bem executada, criando um universo rico e com personagens envolventes. Mas as regras deste mundo são mal explicadas, mesmo com a desnecessária narração da protagonista. E logo a jornada assume um tom episódico, mantendo a trama principal correndo lentamente por fora. Enquanto o texto superficial e protocolar não permite que os personagens soem naturais. O elenco jovem pode até estar tentando, mas não é possível tirar muito do material com que trabalham. 

À esta altura você deve estar se perguntando: com tantos pontos contra, porquê você assistiu até o fim Fabi? -  Surpreendentemente, apesar das falhas, a produção é muito gostosa de acompanhar. A linguagem é simples, e as lacunas são facilmente preenchidas por quem já está acostumado a consumir obras de fantasia. 

Para nós, latinos consumidores de novelas, um bônus. a linguagem tem muitas semelhanças com as novelas que todos consumimos em algum momento da vida. Esta familiaridade com a forma como a história é contada, também ajuda no engajamento. Some aí, a diversidade do elenco e as belíssimas locações de Cartagena. A cidade colombiana mistura belezas naturais, construções históricas e modernas. É um deleite para os olhos.

Sempre Bruxa é uma série colombiana, inspirada no livro Yo, Bruja, escrito por Isidora Chacon. Sobre o qual fiquei curiosa, será que a obra original preenche as lacunas e tem mais espaço para explorar todo o potencial dos bons temas que oferece? Talvez este aprofundamento venha na segunda temporada, já que o programa deixa gancho para tal. Acho pouco provável.

Com uma reunião de elementos altamente rentáveis - viagem no tempo, romance impossível, magia, gente bonita - e linguagem simples, acredito que a série tenha apelo suficiente para seu público alvo jovem. Para aqueles que forem mais exigentes, pode ser consumida sem compromisso em momentos de puro escapismo. Embora, mesmo assim, seja difícil evitar a sensação de potencial desperdiçado. Os temas e argumentos de Sempre Bruxa são ótimos, faltou apenas saber aproveitá-los bem.

Sempre Bruxa tem dez episódios com cerca de uma hora cada, todos já disponíveis na Netflix.

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