
Durante o período de quase uma no, acompanhamos o cotidiano de Cleo (Yalitza Aparicio) e, consequentemente, da família a que ela serve. A complexa relação de hierarquia entre patrões e empregados, que se confunde com o conceito de família. Além dos acontecimentos de âmbito familiar e até escala nacional, que moldam os caminhos dos personagens.
O tom é contemplativo, e isso pode afastar quem não está acostumado com obras com um ritmo propositalmente mais lento. Cuarón nos deixa observar calmamente as interações cotidianas, com planos longos e pouca movimentação de câmera. O que nos possibilita pensar sobre a situação que estamos vendo, tão comum ao redor do mundo.
Cléo passa todo seu tempo na casa trabalhando, desde acordar as crianças para a escola, até colocá-las de volta na cama, e todas as tarefas entre elas. Na ingrata função de empregada, sempre de prontidão para servir, a moça quase não tem tempo de viver a própria vida. E não parece incomodada com isso, ou talvez apenas não enxergue perspectivas em seu futuro. Ela não sabe como evoluir a partir dali. Já os patrões, se sentem benevolente por considerá-la como "parte da família", sem nunca perceber que mantém a moça em um horário de trabalho constante. Ou ainda que suas ações "altruístas" em relação á moça, são mais benéficas ao seu ego, que à pessoa ajudada. Mas não os confunda com vilões, estas são boas pessoas, que apenas não enxergam a totalidade do sistema em que estão inseridas.


Dedicado à Libo, Liboria Rodríguez, a empregada da família de Cuarón enquanto ele crescia. O longa não esconde o fato, de que o diretor está olhando e repensando a própria infância. Por este tom mais biográfico, faz todo sentido que além de direção e roteiro, Cuarón também tenha feito a fotografia, produção e até colocasse seu dedo na edição. Talvez seja esse controle quase excessivo, que permitiu ao diretor embutir no longa todas as camadas e detalhes que desejava, sem deixar pontas soltas. O detalhismo vai desde a escolha do gigantesco carro do patrão, que mostra o quanto ele se sente desnecessariamente sufocado pela família. Até a passividade de Cleo, mesmo em seus dias de folga, quando finalmente pode escolher o que fazer.

Para quem tiver a chance, Roma merece ser visto na tela grande. Mas, seu lançamento na Netflix possibilita que a produção alcance mais pessoas. Basta que elas estejam dispostas a se aventurar, em um filme de ritmo diferente, em preto e branco, falado em espanhol e mixteco, o dialeto do povo de Cleo. Falando assim até parece tarefa complicada, mas aqueles que se dispuserem a acompanhar esse ano na vida de uma família comum, vai ter a chance de ver com outros olhos uma história que se repete em todo o mundo. E quem sabe repensar suas próprias experiências.
Roma
2018 - México/EUA - 2h15
Drama
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