Até a Última Gota

Qual é o limite de uma pessoa? Mais especificamente, o limite de uma mãe solo na base da sociedade capitalista.  O drama de Tyler Perry lançado diretamente na Netflix, Até a Última Gota,  pretende explorar esse limite. E mais, evidenciar o enorme número de pessoas que infelizmente são capazes de se identificar com essa situação. 

Janiyah Wiltkinson (Taraji P. Henson) está vivendo o pior dia de sua vida. Mãe solo de uma menina doente, prestes a perder seu apartamento, com um emprego insalubre, tenta enfrentar um dia comum onde tudo dá errado. Após uma série desesperadora de infortúnios seguidos, ela se vê quase que por acidente em uma situação inimaginável, mantendo funcionários e clientes de um banco como reféns. 

É difícil acompanhar a primeira metade de Até a Última Gota. Não apenas pela sequencia interminável de desgraças, mas pela completa ciência de que esta é a realidade de muita gente, e poderia ser a nossa. Chefe abusivo, falta de dinheiro, ameaça do serviço social, despejo, reboque de carro, são as últimas gotas para uma pessoa que já vivia constantemente no limite. 

Eficiente como sempre, Taraji P. Henson, transmite com veracidade a correria, o desespero e o desamparo no qual essa mulher vive. Com a filha como único alento e alegria da vida, ao mesmo tempo que cuidar dela é o maior desafio. Se não desistimos do filme diante de tanta tristeza acumulada é pela empatia com a intérprete, que inevitavelmente carrega o filme. 

Se a veracidade pela parte da protagonista é impecável, não é possível dizer o mesmo da representação da polícia neste filme. A começar pelas ações do departamento como um todo, à partir da situação com o banco. Escolhas ilógicas e nada verossímeis, mesmo para uma "policia de filme", das quais já esperamos exageros, coincidências e facilitações. O nível de incompetência é tamanho, que a esquie sequer consegue identifica um policial no próprio grupo. Entretanto, nada é mais gritante que a personagem de Teyana Taylor. 

A detetive Kay Raymond é apresentada pelo roteiro como o contraponto à frieza do sistema, alguém que compreenderia e criaria um laço com a protagonista. Entretanto sua representação em tela, não poderia ser mais inadequada. Caracterizada como uma Barbie detetive negra, cabelo de salão, quilos de maquiagem e pose de passarela, que nada condizem com o discurso de mãe solo trabalhadora. Não me compreenda mal, é claro que a personagem pode ser uma mulher bem sucedida e ajustada, mas o excesso de perfeição visto ali, é crível apenas para passarelas e sessões de foto. A atuação travada, que acompanha o roteiro que não sabe como a policia funciona, também não ajudam a vender a personagem. 

O resultado é a sensação de estarmos vendo dois filmes em um. O retrato realista do desamparo em que a sociedade deixa alguns indivíduos. E uma paródia amadora de um filme de sequestro à banco, com policiais tão incapazes quanto o roteiro. 

Ao menos a gerente de banco, vivida por Sherri Shepherd, consegue criar essa conexão e empatia com a protagonista. Salvando a dinâmica da situação de reféns, que não funciona em nada com a força policial. 

O roteiro ainda encerra com uma reviravolta chocante e um final em aberto, que à primeira vista são muito bem vindos, pelo impacto que causam. Mas, que não fogem de questionamentos diante de uma segunda olhada mais reflexiva. 

Impossível discuti-los sem spoilers, então continue por sua conta e risco!

A grande reviravolta do filme, é o fato de Aria (Gabrielle E Jackson), filha por quem Janiyah se desdobra em mil, ter morrido na noite anterior aos eventos do filme. Sendo as cenas em que vimos a menina, alucinações causadas pelo luto. Chocante e comovente? Com certeza. Mas também um abrandamento do papel da sociedade no colapso da protagonista.

A revelação pode dar a entender que é a morte da menina a origem do colapso. Mas basta um olhar mais atento para perceber que qualquer um submetido ao cotidiano sofrido que essa mulher vivia, estaria sempre à beira de um ataque. Não era preciso a filha morrer, nem sequer ser levada pelo estado, o sistema seria suficiente para levá-la ao limite. Tanto, que como público, torcemos pela protagonista e entendemos seus motivos antes mesmo de sabermos da morte da menina. Tornando a revelação de seu falecimento, apenas um recurso barato para chocar. 

Já o final ambíguo, que traz tanto a perspectiva da morte de Janiyah, quanto da "prisão justa" com o apoio da policial e da gerente, soa como um acovardamento da narrativa. Até então muito realista, em relação as dificuldades da vida, não tem coragem de seguir com esse realismo até o fim. No mundo real, ela seria morta, sem sombra de dúvida. 

Tão pouco, abraça com honestidade uma mensagem de esperança, após tanta desgraça. O que seria o caso, se escolhesse seguir apenas com a sororidade e a prisão justa. Acovardando-se entre a ambiguidade, não por riqueza narrativa. Mas por não ter coragem de escolher um dos caminhos.

 Se escolhe o final realista é muito deprimente, e desagrada alguns. Se tenta trazer um olhar de esperança, e aponta novos caminhos, foge da proposta inicial e receberá crítica de outros. Então fica em cima do muro, não desagrada, nem agrada ninguém na mesma proporção. 

Fim do Spoiler!

Até a Última Gota poderia ser excepcional. Um retrato realista da condição de muitas pessoas. Mas enquanto a visão da vida de Janiyah, é altamente identificável, verdadeiro e comovente, a reação do mundo à seu colapso é, no mínimo, patética. E o desfecho não tem coragem de encerrar o discurso que começou com a mesma força que começa. É sim um bom filme, principalmente pela atuação de Taraji P. Henson, mas poderia ser muito melhor!

Até a Última Gota (Straw)
2025 - EUA - 105min
Drama

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