Tremembé

Tremembé não é Orange is the New Black! Poderia, tem potencial para tal, mas não deve ser consumido da mesma foma. Apesar de ser assim que o Prime Video, o construíu, o promove, e como o público está encarando. Aqui há uma outra reflexão a ser feita, além das ficções de presídio comuns. 

A série apresenta a presídio paulista de Tremembé II, conhecido como "A Prisão dos Famosos" pelo ponto de vista de seus mais ilustres moradores. A penitenciária abriga detentos que correriam riscos em outras instituições, pelas mais diversas razões. Entretanto é naqueles que vão para lá por causa da notoriedade midiática de seus casos, que a narrativa se concentra. 

Suzane von Richthofen (Marina Rui Barbosa), que matou os próprios pais ao lado do namorado e o cunhado, os irmãos Cravinhos (Felipe Simas e Kelner Macêdo). Elize Matsunaga (Carol Garcia) que assassinou e esquartejou o marido. Roger Abdelmassih (Anselmo Vasconcelos) especialista em reprodução humana, que se aproveitava de sua profissão para violentar suas pacientes. Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi) e Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato), pai e madrasta que assassinaram Isabela Nardoni de apenas cinco anos. Estes são os protagonistas reais, que povoam essa série fictícia. 

É bom explicar, essas figuras existem, co-habitaram o presídio durante um período, e muitos dos eventos retradados realmente ocorreram. E a trama é baseada nos livros Elize Matsunaga: A mulher que esquartejou o marido e Suzane: assassina e manipuladora, escritos pelo jornalista Ulisses Campbel. Entretanto essa é uma série ficcional, que romantiza e preenche as lacunas dos eventos não públicos ocorridos atrás das grades. Manipulando a narrativa para construir nossa empatia por aquelas pessoas, e consequentemente manter a atenção do público. E é aí que reside a reflexão extra que mencionei no início desse texto. 

A série critica a notoriedade e o fascínio por trás de pessoas que cometeram crimes ediondos. Ao mesmo tempo que alimenta e explora essa curiosidade mórbida, transformando os criminosos em estrelas, e as vitimas em "notas de roda-pé". Peso que séries como Orange is the New Black e Oz não tem, pelo simples fato de não ter personagens reais. Por mais sórdidos que sejam os crimes nessas séries completamente ficcionais, não há vitimas reais que terão suas histórias exploradas por tabela. 

Para uma temporada é até um exercício interessante, se tivermos toda essa problemática em mente. Sana a curiosidade inevitável em torno desses casos, e demonstra a realidade que espera quem escolheu os piores caminhos. Mas, como uma produção mais longa, a glamourização também cresce, e essa curiosidade mórbida inerente ao ser humano, se aproxima gradualmente da glamourização. Infelizmente, este parece ser o caminho, já que o desfecho da temporada deixa clara a intenção de uma segunda temporada. 

Reflexões feitas, como entretenimento, Tremembé é eficiente. Constróem personagens interessantes, com boas atuações e caracterizações assustadoramente semelhantes aos retratados reais. À exceção é o apresentador Gugu, vivido por Paulo Vilhena (quem teve essa ideia), que até tenta emular os trejeitos e fala marcante do animador de palco, mas difere muito visualmente dele. Destoando da fidelidade dos demais. 

Entre as atuações dos protagonistas se destacam Marina Rui Barbosa, que consegue executar a difícil tarefa de reconstruír a personagem mais midiatica e reconhecida com fidelidade. Ao ponto de desaparecer dentro da persona de Suzane. Outros destaques são a complexidade que Carol Garcia dá a figura de Elize Matsunaga, e o ódio e nojos instantâneos que Anselmo Vasconcelos nos faz ter por Roger Abdelmassih. 

Mas todos entregam excelentes atuações. Inclusive os atores que entregam personagens secundários como Letícia Rodrigues na pele da chefona Sandrão. E Luan Carvalho como Gal. Aliás mesmo os detentos "menos famosos" tem apresentações estilozas, que destacam seus nomes, crimes e penas, tal qual a apresentação dos membros do primeiro Esquadrão Suicida da DC. Uma representação gráfica da glamourização dos personagens que mencionei anteriormente. 

Direção de arte também é caprichada ao criar uma Tremebé desconfortável, complexa e vividamente habitada. Em momento algum duvidamos que os peronagens vivem naqueles cubículos frios de concreto, que tentam adornar desesperadamente, para tornar mais aconchegante. 

Além de esquemas, "conchavos", romances, intrigas de prisão e até breve reconstituições dos crimes. Há também tempo para vislumbrar e questionar o sistema carcerário. Burocrático, complicado e com "atalhos" que nem sempre compreendemos, como as infames saidinhas. E o impacto nas famílias, que precisam atender as rigidas normas de vigilancia, apenas para visitar seus entes queridos encarcerados. 

Tremembé é um retrato curioso da vida dos bandidos mais notórios do país. Alimenta a curiosidade do público quanto a eles. Os destaca, ainda que de forma patética e caricata em muitos momentos, e compra nossa fidelidade, não com suas personas ou bem estar, mas com suas tragetórias. Se um dia vamos de fato ter empatia por eles, dependerá do desenrolar das próximas temporadas, e da bagagem de cada expectador. 

Bem produzido, é sim o fenômeno cultural e narrativo que está sendo alardeado pelas redes. Se isso é bom ou não para a sociedade é coisa para se analizar com o tempo. Mas se Hollywood vive de explorar true crimes estadunidenses e seus desdobramentos, porque não poderíamos fazer o mesmo?

A primeira temporada de Tremembé tem cinco episódios com cerca de uma hora cada, todos disponíveis no Prime Video

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