Um dos momentos mais "doloridos" da história da humanidade, o holocausto, serve de pano de fundo para discutir outras dores. Mais intimas, pessoais, e atuais em uma jornada simples, mas com potencial para muita emoção. A Verdadeira Dor, escrito, dirigido e estrelado por Jesse Eisenberg emociona, mas não tanto quanto sua proposta permite.
Benji e David Kaplan (Kieran Culkin e Jesse Eisenberg respectivamente) são primos muito diferentes que viajam juntos para conhecer a casa de infância da avó, uma sobrevivente do holocausto na Segunda Guerra mundial. No trajeto conhecem pessoas de origens distintas, veem os males do mundo e principalmente encaram suas próprias dores individuais e conjuntas.
É na dinâmica de opostos entre os dois irmãos, que o roteiro de Eisenberg aposta. David é o típico homem de família, com mulher, filho e um trabalho que consome seus dias. Já Benji é o adulto desajustado, de alma tão livre quanto sem rumo, mas que cativa por onde passa. Assim cada um deles encara essa jornada de formas diferentes, seja como despedida da avó, descoberta de um mundo maior, ou ainda como autodescoberta.
É o personagem vivido por Kieran Culkin a alma do filme. Seu comportamento instável, que muda da amabilidade para o surto, e de volta para a ternura em instantes, é o fator que desconforta e faz David refletir. Este por sua vez, confronta o primo, e tentando resgatá-lo de si mesmo. Uma construção interessante e bem cadenciada, que peca apenas na ausência de catarse.
Benji e David de fato exprimem suas dores e discutem suas vidas, mas esses embates nunca alcançam o ápice. Deixando uma sensação de que toda a argumentação não leva à lugar algum. Se por um deficiência de roteiro, ou uma tentativa de emular a vida real, onde nem sempre os dilemas são expurgados, muito menos levados à uma solução, é algo a se discutir. De qualquer forma, intencional ou não, a sensação de assunto inacabado nos acompanha após o fim do filme.
Para além do relacionamento dos primos, ainda temos vislumbres de outras dores, através dos outros integrantes do tour que a dupla faz. Ouso dizer, dois deles podem ter uma história ainda mais interessante e dolorida que a dos protagonistas. A recém divorciada Márcia (Jennifer Grey) que escolhe fazer turismo por um dos eventos mais cruéis da história da humanidade, como forma de cura. E Eloge (Kurt Egyiawan), um sobrevivente do genocídio de Ruanda, que encontra identificação na comunidade judaica. Infelizmente, o filme apenas cita essas histórias mais interessantes. Sem desenvolvê-las para além do que podem acrescentar no crescimento de Benji e David.
Eisenberg também escolhe filmar toda a jornada de auto descoberta de forma simples, quase blasé. Sem grandes arroubos de emoção, individuais ou coletivas. Tornando os poucos momentos em que os personagens se permitem um pouco mais. Como a divertida sequencia de fotos inadequadas em um monumento de homenagem à vitimas do holocausto.
E por falar no massacre de judeus promovido pelos nazistas, o ápice do tour obviamente os leva à um campo de concentração. Sequencia que traz outra escolha no mínimo curiosa do diretor, o afastamento. Tanto o campo, quanto os visitantes são filmados com certo distanciamento. Sim, o lugar tem seu peso, e os personagens se emocionam, mas a câmera, a montagem e consequentemente nós, não sentimos. Não pelo filme passa, talvez por nossa própria bagagem e conhecimento da história.
É quase como se observássemos um cartão postal, um registro simples, e sem emoção, à menos que possamos ler as mensagens no verso. Sendo esse verso a consciência prévia da história. Novamente, se uma escolha ruim, ou uma crítica à banalização do holocausto pelo mercado de turismo, é algo a se discutir. Vale mencionar, Benji reclama abertamente do turismo onde não se conhece de fato o país e seus moradores, apenas os "cartões postais" do lugar.
Já a trilha sonora com músicas clássicas parece tentar trazer, uma emoção mais atemporal para a discussão. Vale mencionar, ela acertadamente some quando o grupo visita o campo de concentração. Reforçando o tom depressivo lugar, e até o afastamento que a sequencia propõe.
A Verdadeira Dor é uma jornada curiosa. Ao final não descobrimos qual seria a dor mais verdadeira, mas uma gama de dores cotidianas, camufladas pela rotina. Que por alguma razão temos dificuldade de sanar, ou mesmo discutir. E por vezes parecem pequenas diante das mazelas do mundo. Um filme, que pode não perdurar muito tempo na memória, mas gostoso de assistir e refletir, mesmo que por um instante.A Verdadeira Dor (A Real Pain)
2024 - EUA - 90min
Drama, Comédia
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